quarta-feira, 19 de setembro de 2018
O fascínio da Trilha do Ouro
Sob o testemunho de montanhas, florestas, cachoeiras, céu e mar, no último feriado prolongado de 7 de setembro fizemos a histórica Trilha do Ouro. Foram mais de 50 quilômetros entre São José do Barreiro/Serra da Bocaina/SP e o distrito de Mambucaba/Angra dos Reis/RJ.
Bom lembrar que critérios de avaliação sobre beleza e dificuldade obedecem a certa subjetividade. Mesmo sem tantos visuais longos, amplos, de serras e horizontes a perder de vista, fica-se encantado com a exuberância da Mata Atlântica. Sons, cores, perfumes, águas, história e visuais de tirar o fôlego. Beleza específica, bem diferente da desfilada na travessia da Serra Fina, onde o por e o nascer do sol são indescritíveis.
Quanto ao nível de dificuldade, a princípio, moderado. Obstáculos apenas para obesos, oncotôs ( pseudo turistas/trilheiros fora do contexto) e sedentários e/ou preguiçosos. Mas se chover muda muito e fica bem difícil em função da predominância de pedras escorregadias na descendente.
Trilha, propriamente dita, começou por volta das 9h30min de sexta-feira, na Pousada Recanto da Floresta, no alto da Bocaina. Zé Milton e Andrea dirigem com maestria a pousada e a MWT, de
onde partimos para 26 km em dois veículos a partir do centro de São José do Barreiro.
Da pousada, cortando caminho pelo pasto para evitar a volta da estrada, em cerca de meia hora já estávamos na portaria do Parque Nacional da Serra da Bocaina. Passamos bem próximos das águas ainda mansas do Paredão e da Toca da Onça.
Vencidos os trâmites burocráticos, "partiu" Trilha do Ouro. No primeiro dia foram cerca de 25 km até da pousada Palmirinha. Após leve caminhada de estrada, não tivemos maiores dificuldades pra chegar à esplendorosa cachoeira de Santo Isidro, com altura superior a 80m.
Entrada da trilha à esquerda está bem demarcada e degraus descendentes nos levam à grande piscina gelada. Por ali começamos a encontrar vários trilheiros, quase todos com o mesmo destino.
Todos ficaram maravilhados com a exuberância da grande queda d'agua. Poucos -- Ana, Érica, Alessandra e Pedro -- ousaram molhar além das canelas. Após descanso e lanche de aproximadamente 30 minutos enfrentamos degraus agora ascendentes, lógico, e voltamos à estrada de terra, convergindo à esquerda.
Pé na estrada novamente até encontrarmos uma placa à esquerda onde se lia ATALHO. Sem tombos e sem danos, cortamos caminho pela trilha sombreada em descendente até voltar à estrada mais ensolarada que também leva à pousada Vale dos Veados. Mas quem quer passear até lá só encara sem medo se tiver com veículo 4x4.
E lá vamos nós! Herbert ( pai da Ísis e nosso grande líder), Ana, Érica, Angela, Iris, Alessandra Tambellini, o casal Gaelle/Fernando, Raddi e o jovem Pedro, que fechava o grupo e coordenava as "fotos-de- bromélia", algumas úmidas e rápidas; outras mais demoradas e cheirosas.
Num ritmo ótimo e respeitoso, e sempre com aulas de um biólogo com mestrado em botânica, o Herbert, progredimos sem percalços. Alguns curtos ganhos de elevação nada mais provocaram do que a subida momentânea da pulsação.
CACHOEIRA DAS POSSES
Não tardou para chegarmos ao segundo ponto de descanso, banho e lanche/almoço. Placa visível, adentramos à esquerda e pegamos uma descida curta mas com angulação significativa. Entre eucaliptos e araucárias sobreviventes, ainda há restos de casas de uma antiga fazenda. Por isso muitos mochileiros acampam por ali na primeira noite.
A bela cachoeira das Posses, com mais de 40m de altura, nos esperava de braços abertos. As pedras pareciam servir de arquibancadas. Desta vez não resisti e entrei na água ao lado da Érica, da Alessandra e da Ana.
Pão, castanhas, amêndoas, salamitos, parmesão, damasco, chocolate, carb-up, barrinhas de cereais, gatorade, água e outros quetais. Estômagos forrados, mochilas nas costas e muita disposição. Bora subir a trilha pra voltar à estradinha e chegar ao destino.
Em homenagem ao meu saudoso pai, peguei o seu antigo pio e chamei um inhambu. Fiquei feliz quando ele respondeu. Uma vez foi suficiente. Depois ele percebeu que a propaganda era enganosa. Ninguém sabia, mas eu sentia; meu caçador favorito nos protegia.
Daí até a casa de fazenda de pau-a-pique seriam pelo menos mais quatro horas. Quase sempre apreciando a beleza do entorno, dos riachos cristalinos, dos vales verdes e dos contrafortes das montanhas da inesquecível Bocaina e da Serra do Mar.
Agora com mais subidas intercaladas com descidas. Mas o clima ajudava. Não judiava. Mesmo com o dia claro e o céu com poucas nuvens. Plantas e pássaros, pontes e pinguelas, trilhas e estradas...Não há espaço para tristeza. Nem cara feia. Companheirismo sim, egoismo não!
Na bifurcação que indicava pousada Barreirinha à esquerda e Vale dos Veados à direita, pegamos a primeira opção. Não sem antes o Herbert começar mas não terminar a hilária história de um editor/oncotô apelidado de Sete-Léguas.
Só posso garantir que o Sete-Léguas deu um trabalhão danado por não estar preparado para a empreitada. Sei que o imprudente trilheiro foi amparado por todos e chegou ao final da trilha. Estropiado, sem "flechas, sem uma saca de café e sem um grama de ouro sequer".
Voltando à trilha. A essa altura, faltando cerca de duas horas para o destino do dia, alguns companheiros nossos já estavam um pouco mais aliviados, já que o Naldo, filho da dona Palmira, veio ao nosso encontro com uma mula salvadora. Menos peso, mais disposição.
E lá vamos nós novamente! As tagarelices diminuem, mas as informações relevantes do professor continuam. Agora as sombras já são mais frias e escuras. Antes das 18h somos orientados a lançar mão das salvadoras lanterninhas de cabeça.
Foi quando minha esposa soltou uma pérola:"Chiii! Minha lanterna não ilumina nada. Olha só! O que será que aconteceu?" Parei, pensei e não resisti:"Chu, quem sabe se você ligar? Talvez acenda né?" rsrsrs
Brincadeira à parte, já estava mesmo escurecendo. E nada de chegar nem mesmo na Barreirinha, pousada onde ficaram muitos outros trilheiros. Mas não nós, que optamos pela hospedagem da dona Palmira, de quem só ouvíramos elogios.
Casa de pau-a-pique, sem energia elétrica, mas extrema simpatia dos anfitriões. Banho quente sustentado pela serpentina do fogão à lenha e um sonhado jantar com arroz, feijão, macarrão, lasanha, batata frita, carne de porco, frango de panela, linguiça... Viajei na imaginação.
Meu Deus! Eu não comentei nada com ninguém, mas já estava salivando só de imaginar. Banho, comida e cama... Se tiver uma pinguinha... Estava cansado, mas não extenuado. Até que, após uma pernada de 25km, chegamos à aconchegante pousada, por volta das 18h43min.
Dona Palmira, Naldo e Luciane são muito simples, prestativos e simpáticos. Tudo confirmado. Jantar à luz de velas estava ótimo. Cozinha esfumaçada, com linguiça e peças de porco dependuradas naquela vara alta sobre o fogão, me fez lembrar da casa da vó Lica, na saudosa fazenda Boa Esperança, onde praticamente fui criado.
Quanto ao sono, fomos privilegiados por dormir numa cama de casal. Simplesmente desmaiei. Só fui acordar lá pelas 7h. Ouvi o galo cantar mas fiquei quieto, no quentinho. Café da manhã também estava delicioso, com bolo, pão de casa, mel, manteiga, queijo e extrema cordialidade da dona Palmira.
PONTES, PINGUELAS, SOMBRA E ÁGUA FRESCA
Fotos, abraços, agradecimentos e despedidas. Partiu Trilha do Ouro, segundo dia. Apenas 10km. Mais descidas. Poucas subidas. Nada desgastante. Mas muito cuidado! O ditado diz que "na descida todo santo ajuda", mas não é bem assim. É preciso respeitar e manter o foco. Se vacilar toma chão.
Acho que saímos depois das 9h. Descansados e motivados para a nova e curta jornada até a casa do Zé do Zico. Foram poucas subidas e muitas descidas mata adentro, já com o caminho trilhado por tropeiros sobre as pedras remanescentes do sacrifício de escravos.
Pra quem não se lembra, os primeiros a demarcar a trilha foram os índios Guaianazes. Depois o caminho teria sido alternativa para se descer com o ouro das Minas Gerais até Paraty, burlando o pagamento de impostos.
Em seguida, por meio de carroções de bois, serviu para o escoamento do café do Vale do Paraíba até o porto.
Hoje, apenas raros moradores do PNSB, guias e turistas trilheiros amantes da natureza. Como nós.
Percurso, entre matas, pontes e pinguelas, sempre margeando o rio Mambucaba, foi bem tranquilo para todos. Chegamos no Zé do Zico por volta do meio-dia, se não me engano. A famosa gaiola de tantas fotos parece estar aposentada. Para atravessar o rio e chegar andamos mais um pouquinho e utilizamos uma ponte pênsil.
E de cara já deu pra perceber que não seria tão tranquilo. Se na noite anterior os trilheiros se dividiram entre Barreirinha e Palmirinha, desta vez todos ficariam no mesmo espaço, dentro de casa ou em barracas próprias ou alugadas.
Pernoites definidos. As seis meninas ficariam num quartinho com três beliches. Nós, homens, ficamos em outro quarto. Também apertado, mas não menos limpo e aconchegante. Marcamos terreno, deixamos as mochilas e saímos para conhecer a famosa Cachoeira do Veado.
Nada mais que 25 minutos, de novo a ponte pênsil e outra pinguela. E lá estávamos nós diante de três esplendorosas quedas d'água que superam 100m de altura. A primeira não dá nem pra ver de perto.
Por pura precaução, não entramos na correnteza. Mas fizemos fotos -- como a que abre o texto -- e curtimos muito por mais de uma hora. O suficiente pra forrar o estômago, colocar a conversa em dia e aprender ainda mais sobre botânica com o Herbert.
Na volta pra pousada a dúvida principal era sobre o banho: frio no rio, sem fila, ou quente, no banheiro das meninas, com direito a "senha". A maioria do nosso grupo optou pelo rio e se deu bem.
Eis que chega a esperada hora do jantar. Macaco velho, precavido, Herbert sugere que antes das 18h a gente já fique por perto, no salão, jogando conversa fora até colocarem os panelões.
Com pouca luz de energia produzida por baterias, começam a colocar a comida para um verdadeiro batalhão, cerca de 65/70 pessoas: um panelão de feijão, um de arroz, um de purê, um de carne/churrasco, um de cenoura... Não me lembro se tinha macarrão.
Os panelões estavam no claro, mas 9na enorme fila que se formou após o sinal do Zé do Zico predominava o escuro. Estratégia do guia provou-se acertada, já que fomos os primeiros a nos servir. Cara, fiz um prato vergonhosamente montanhês. Eu quase não enxergava a Ana, à minha frente. Nome do abuso? Serra da Bocaina. Juro que não repeti.
Gozado, e bom, é que a fila andou muito rápido. Pelo jeito todo mundo estava com fome e acelerou nos panelões. Por isso quem pretendia partir pro segundo tempo acabou caindo do cavalo.
Tinha coca e até cerveja gelada, mas aquela pinguinha que sobrou no Naldo faltou no Zé. Diz a "lenda" que os pedreiros que foram fazer o novo fogão à lenha tomaram três litros. Resultado: fogão torto, mas comida boa.
Sem disposição suficiente pra curtir a conversa ao redor da fogueira, nosso grupo não demorou pra ganhar o caminho dos sonhos. Não sem antes se encantar com uma "procissão" de vaga-lumes. Cama simples e sono profundo. Só interrompido na hora de tirar "foto da bromélia úmida" e aproveitar para admirar o céu emoldurado por milhões de estrelas.
(Vaga-lume ou pirilampo são denominações comuns de insetos coleópteros das famílias Elateridae, Phengodidae ou Lampyridae, notórios por suas emissões de luz fosforescente).
(Bromélias: designações de plantas do gênero Bromélia, da família das bromeliáceas, com 48 espécies terrestres, nativas da América Tropical. Algumas têm fruto comestível e/ou fornecem fibras, mas são cultivadas como ornamentais) -- singela brincadeira em homenagem ao nosso biólogo.
Então... Enquanto eu via estrelas lá fora, lá dentro, de madrugada, as meninas, especialmente Iris e Angela, tinham a companhia de um gato miando no alto das paredes sem forro, junto ao telhado meio esfumaçado.
Dúvida cruel: não era uma suçuarana, mas a cada miado elas se arrepiavam e imaginavam que o danado poderia pular, provocando um estardalhaço. Exatamente o oposto do segredado pelo Herbert, já que fazer silêncio era primordial pra quem queria sair à francesa, sem acordar ninguém.
NA DESCIDA TODO SANTO AJUDA?
Conforme sugerido e combinado com o Herbert, no terceiro dia acordamos por volta das 5h, antes de todos os outros trilheiros. Fora da casa havia cerca de 35 pessoas ainda dormindo, distribuídas em 17 barracas. Por isso tomamos café simples antes de todos e, às 6h, fomos os primeiros a ganhar a trilha. Sempre na companhia do amigo "Mambuca".
Por precaução, já que a Gaelle não passava muito bem, o Herbert optou por alugar um burro. Providência mostrou-se acertada. Como todas as outras implementadas pelo guia/médico/amigo.
Foram 18 km muito interessantes. Piso secular, mata fechada, árvores frondosas como as figueiras, plantas minúsculas, água em abundância e pássaros aos borbotões. Uma festa na floresta. Como convidados, cabe a nós respeitá-la e preservá-la.
Não vimos onça parda, nem pintada. Tampouco cobra peçonhenta, macaco bugio ou muriqui. Mas ouvimos inhambu, pomba, sabiá, gavião, araponga, tucano... E vimos um bando de tangarás-dançarinos. Que privilégio! Uma bênção!
Ganho acumulado de elevação (GAE) chega a apenas 950m em três dias. Perda acumulada beira 2,5 mil metros. Portanto, é descida constante, a maioria sobre as pedras lisas colocadas pelos escravos nos séculos XVII, XVIII e XIX. Vantagem é que a angulação é baixa e favorece.
Na descida todo santo ajuda? Nem sempre! Se estivesse chovendo, com certeza a trilha ficaria bem difícil e não chegaríamos ao distrito de Mambucaba sem cortes, lesões e contusões. Mas foi tudo bem. Nenhuma baixa significativa.
Nosso descanso mais longo foi onde o rio Santo Antonio deságua no agora grande Mambucaba. Estômago forrado, sede saciada, corpo refrescado, lá fomos nós para os 4 km finais. Atravessamos uma ponte pênsil -- bem pensa para um dos lados, por sinal -- e não demoramos para chegar ao nível do mar.
Sinal de civilização. Não gostei. Especialmente porque percebi que ali não existe qualquer portaria pra controlar entrada e saída de pessoas no PNSB. Um parque nacional bem maior do que o de Itatiaia mas que recebe verba irrisória perto de suas necessidades básicas para conservação e fiscalização decentes.
Com a palavra, as digníssimas autoridades estaduais e federais. Se é que elas não se omitem e fazem vistas grossas exatamente porque ultimamente Angra virou terra-de-ninguém. O tráfico comanda e pode já estar a ditar regras nas franjas do parque.
Então...dentro da hora marcada, 14h, lá estava a confortável van à nossa espera ao lado da ponte de arame. Com um bom motorista, não demorou muito para superarmos a Angra dos Reis de nuvens carregadas pela Rio-Santos e depois da usina nuclear entrar na direção de Lidice, Rio Claro-RJ, Bananal-SP, Arapeí e finalmente São José do Barreiro, num lindo final de tarde e início da noite.
Se valeu a pena? Sim, muito. Fascinante! Família MW Trekking foi show de bola. Fica aqui nossa gratidão a todos, especialmente ao Herbert e ao Pedro. E a todos pelo companheirismo, sinônimo de respeito quando o grupo está acima de cada um de nós.
sexta-feira, 20 de julho de 2018
Cordillera Blanca: um paraíso imperdível
O DESAFIO DO TREK SANTA CRUZ
Quanto ao trânsito, deu vontade de chorar. Um caos! Mas nada que abalasse ou apagasse o brilho de olhos felizes e corações acelerados. Afinal, o quarteto Trilheiros do Peru acabava de conquistar e abraçar uma cordilheira digna da morada dos deuses.
domingo, 8 de julho de 2018
Serra Fina: enfim, o sonhado abraço
Felizmente, desta vez sem a dor da frustração. Enfim, o merecido abraço! Exatamente ao meio-dia de quinta-feira, dia 5 de julho de 2018. Foi quando, na BR-354, em Itamonte-MG, conseguimos -- Raddi, Léo e Daniel -- concluir a difícil travessia da temida mas fascinante Serra Fina, na Mantiqueira.
Poucos sabem, mas significa a realização de um sonho acalentado desde setembro de 2003. Isso mesmo! Há 15 anos, quando subi pela primeira vez o Pico de Agulhas Negras, me lembro de ter perguntado ao guia Jerônimo, da Gute Expedições, sobre a tal Pedra da Mina:
-- Onde fica a Pedra da Mina?
-- Ali, bem à nossa frente. Deve ser oficializada pelo IBGE como quarto pico mais alto do Brasil, superando Agulhas.
-- Difícil subir lá?
-- Tá de brincadeira! Bem difícil. Só gente treinada, determinada e experiente. Dá pra subir e descer no mesmo dia, num bate-e-volta, mas o ideal é dormir lá, descansar e curtir por e nascer do sol.
-- Quem sabe antes dos 60? Ainda tenho 48 anos.
-- A Pedra da Mina pode ser, mas a travessia da Serra Fina é quase impossível.
-- Como assim? Que travessia?
-- Sim, uma travessia de quatro dias que vence vários cumes acima de 2 mil metros de altitude, incluindo a Pedra da Mina (2.798m).
-- Nossa! Não é pra mim.
Assim terminou nossa conversa em 2003.
E não é que em 2015, com exatos 60 anos, eu e a Ângela, minha esposa, fizemos um bate-e-volta na Pedra. Sob o comando do Guto, amigo e guia top de Passa Quatro, subimos o quarto pico mais alto do País em seis horas, descansamos e contemplamos a paisagem durante 60 minutos e descemos até o Paiolinho em cinco horas. Uma senhora conquista, diga-se.
Então, por que não a travessia da Serra Fina? Ideia amadurecida, hora de treinar.
Primeira tentativa aconteceu em setembro de 2017, mas amigo irmão Zé Luiz sentiu dores insuportáveis nos joelhos. Fomos até o Capim Amarelo, onde passamos a noite, mas retornamos no dia seguinte.
Fiz nova tentativa há dois meses, em companhia apenas do Léo, guia da Araucária Expedições. De novo a Serra Fina não me deu permissão. Fomos até a Pedra da Mina, mas precisamos abortar pelo Paiolinho devido a chuva e raios, sinônimos de perigo a ser respeitado.
Como costumo ser teimoso e determinado, não me dei por vencido. Após fazer a belíssima Cordillera Blanca, nas respeitáveis altitudes do Peru, resolvi novamente ir ao encontro da Serra Fina.
E desta vez não deu outra! Ela, minha eterna deusa, me recebeu de braços abertos. Treinado, motivado, determinado e consciente de minha capacidade, encarei a bitela na semana passada. Estava preparado para o desafio gigante, para as dores e para o frio. Tudo no limite.
Foram dois dias, duas noites e mais 3h30min acima das nuvens para concluir cerca de 33km montanhosos de uma beleza indescritível. Um pega-pra-capar. Coisa de gente grande, bruta. Modéstia à parte, mandei bem. Tradicionalmente a travessia é cumprida em quatro dias e três noites. Por gente do ramo, experiente e bem treinada.
Viajei para Passa Quatro logo depois da vitória do Brasil sobre o México e dormi no hostel do Guto. Na terça-feira, eu e o Léo saímos da Toca do Lobo às 7h15min. Pegamos água, "desfilamos" no Passo dos Anjos depois de superar o Quartzito (2035m) sem muita dificuldade e após algumas cordadas e escalaminhadas chegamos ao Capim Amarelo (2490m) às 10h45min.
Pra se ter uma ideia, na primeira vez demoramos 7h15min: na segunda, 5h45 min, e agora apenas 3h30min. Nem acreditei. Como previsto, assinamos o livro do cume e passamos batido, já que a intenção era fazer a travessia em três dias.
Então descemos o precipício do Capim até o acampamento Maracanã, onde encontramos e adotamos o pai da Sarah, mais conhecido como Daniel. Gente boa, escalador, formado em Farmácia e representante de laboratório farmacêutico, o moço de Pindamonhangaba foi excelente companhia. Show de bola o respeitável Juvenil!
Decididos a dormir na Pedra da Mina, descansamos um pouco, nos alimentamos, matamos a sede e tocamos em frente. Sempre em companhia de pedras, cristas estreitas, capim elefante e bambuzinhos. Passamos pelo pico do Melano (2.570m) e depois de muito sobe-e-desce chegamos à Pedra da Mina, por volta de 17h.
Arrebentados, diga-se de passagem. Mas determinados e felizes. Quando alguém pedia pra respirar era a salvação dos três.
Afinal, foi uma pernada de quase 10 horas para ver um por do sol inesquecível. Um absurdo ganho de elevação acumulada de 2.200 metros nos credenciou a acordar acima das nuvens e a ver um nascer do sol magnífico, com jeito de explosão nuclear, a cores. Sem contar que nesse dia descemos mais de mil metros e isso também pesa muito.
Não passamos frio porque acampamos 10m mais abaixo, protegidos do vento, ao contrário de outros trekkers que optaram pelo topo. No dia seguinte, quarta-feira, tomamos o bom café sem açúcar do Daniel, assinamos o livro do cume e às 9h descemos em direção ao belo Vale do Ruah (vento, sopro de vida, em hebraico).
Atravessamos charcos margeando o Rio Verde -- lugar fácil de se perder no capinzal cortante e tropeçar nos tufos escondidos -- e em seguida vencemos o Pico do Brecha (2.570m). Sobe, desce, descansa, respira, faz piada, mata a sede... Pouco depois já estávamos no Cupim de Boi (2530m) e mais perto do Pico dos Três Estados (2.665m e 10° do país).
Bem pertinho da gente, o helicóptero Águia da PM-SP, que durante todo o dia procurava o jovem Luís Cássio, perdido desde quinta-feira, fez um quase pouso sobre as pedras, onde saltaram dois bombeiros. Em seguida voltou com mais três.
Ficamos otimistas, oramos e na manhã do dia seguinte tivemos a confirmação de que Luís Cássio fora resgatado com sucesso e passava bem. Inexperiente, só não deveria estar sozinho. Faltaram responsabilidade e bom senso. Sobrou sorte.
Eram 16h30 quando deixamos o Três Estados e estrategicamente esticamos mais meia hora até o último acampamento antes do Alto dos Ivos (2.510m), adiantando a pernada do dia seguinte.
No segundo dia o ganho de elevação e a perda foram semelhantes, cerca de mil metros. Pernada de oito horas. Mas na Mantiqueira quilometragem é item secundário; vale mais ter como referência o que subimos e descemos e quanto peso carregamos na cargueira, além de clima e temperatura.
Na quinta-feira, de novo um lindo dia. É a magia, o fascínio da nossa Serra dos Bambuzinhos. Acordamos cedo, vimos o nascer do sol sob o testemunho de Agulhas e Prateleiras e saímos do acampamento às 8h30, logo depois da passagem dos bombeiros, que após o ato heroico do dia anterior resolveram abdicar da aeronave e voltaram a pé até a BR-354.
Trajeto final foi bem interessante e tranquilo. Ultrapassamos e fomos ultrapassados pelos "heróis" várias vezes. No final, quando todos aguardávamos os respectivos resgates na BR-354, conversamos regados a lanches, bolos, banana, suco, chocolate quente e queijo parmesão.
E conhecemos o Plínio, bombeiro que acabara de correr os 235km da Uai, tradicional corrida pelas bandas do Sul de Minas. Coisa pra gente grande. Gigantes!
Perto dos outros, o terceiro dia foi café pequeno. Muita descida perigosa, depois a delícia da mata fechada, estrada até o sítio do Pierre -- pretensa pousada que não vingou por estar em área de proteção ambiental e ferir a legislação -- e finalmente a sonhada rodovia da vitória.
Na chegada, aquela sensação gostosa de leveza, de felicidade, de batalha vencida, de conquista, de gol decisivo no último minuto da prorrogação. Afinal, no acumulado foram cerca de 3.2 mil metros de subidas e 3.2 de descidas.
Não tem moleza não! A serra dos bambuzinhos e dos elefantes faz suar, sangrar e chorar; de dor e alegria. Faz parar e contemplar. Faz o silêncio ganhar vida e virar poema. Faz a sombra ganhar brilho e virar fantasia. Faz o vento ganhar rima e virar poesia.
Também faz sonho virar realidade. Um momento mágico, emocionante. Faz ter certeza de que a conquista deve ser partilhada com filhos, netos, irmãos, esposa e amigos. Aquela certeza de que sim, é possível. Aquela certeza de que tudo vale a pena quando a alma não é pequena.
Obrigado Léo. Obrigado Daniel. Obrigado senhor!
quinta-feira, 24 de maio de 2018
Ode à grandeza da Serra Fina
Ah, a montanha!
Quanta beleza, natureza
Quantos segredos
Ah, admirável montanha!
Sobe, desce, sobe, desce...
Sol aparece, sol desaparece
Ah, o vento gelado da montanha!
Quando quer ela congela o corpo
Mas também aquece o coração
Ah, que montanha!
Ela abraça, sussurra
Ela beija, dá colo, aconchego
Ah, a montanha!
Ela sorri e também chora
Ela é da Mantiqueira
Ah, essa montanha!
Ela é serra, nos domina
É a indescritível Serra Fina
Ah, a surpreendente montanha!
Ela é bela, é fera, é fina
É mulher, é criança, é menina
Ah, dona montanha! Indomável!
Tu recebes e repeles
Igualmente induz e seduz
Ah, essa montanha!
Ela é estrada, é trilha
Ela é nascente, é toca, é lobo
Ah, a montanha!
Riacho límpido, água rara
Travessia, magia, hipotermia
Ah, esse mar de montanhas!
É garoa, chuva, raio e trovão.
Hora de reflexão!
De cada guia, de cada dia
Farol de luz, garra e determinação
De respeito, companheirismo e devoção
Ah, "maldita" montanha!
Dá calor e carinho apenas aos fortes
Faz correr sangue, suor e lágrimas
Ah, bendita montanha!
É cotovelo, é quartzito
É passo, é anjo, é precipício
Ah, a montanha!
É camelo, é ombro, é corda,
É bambu, é livro, é cume
Ah, minha cara senhora!
É capim elefante, cortante
É tico-tico, é beija -flor
Ah, a montanha!
É conquista, é ouro
É o Capim Amarelo
Ah, que montanha!
É prosa, é verso
É concavo, é convexo
Meu morro dos ventos uivantes
Serra de tantos cantos e encantos!
Maracanã, Melano, Tartarugão
Deusa a povoar meus sonhos
Cachoeira Vermelha, Rio Claro
Vale do Ruah, Rio Verde e Cupim do Boi
Ah, a montanha!
É foto, é moldura, é depressão
É pôr do sol e lua cheia
Ah, a montanha!
É Marins, é Itaguaré
É crepúsculo, laranja, vermelho
Ah, montanha iluminada!
É aurora, é neblina
É Pedra da Mina
Ah, a montanha!
Sobe, desce, cai, levanta
Vitórias, derrotas e dores momentâneas
Ah, a montanha!
Céu, inferno, sombra, paraíso
É hora de confessar e ter juízo
Ah, a montanha!
É tristeza, é decepção, é frustração
É alegria, é leveza, é esperança,
Ah, a montanha!
É impotência, é paciência
É prudência, é resiliência
Ah, a montanha!
É força, é resistência
Sabedoria, conquista, inteligência,
Ah, a montanha! Tu és única!
É foco, é atitude, é altitude
É sensibilidade, é parceria
Ah, a montanha!
É loucura, é paixão
É clímax, ápice, emoção
Agulhas Negras, Pedra da Mina...
Aconcágua, Everest
O topo do meu mundo
Minha amiga inseparável!
Com humildade e muito respeito
À tua grandeza, uma sincera reverência
Estou nos braços da paz
Se eu não voltar um dia
Simplesmente, sorria!
Fui porque Ele quis
Tome um vinho por mim
Fui embora feliz
sexta-feira, 18 de maio de 2018
A Serra Fina e a dor de uma frustração
- Em nome da segurança, nossa travessia foi cumprida em 2/3. E acreditem: sob um lindo crepúsculo e o céu salpicado de estrelas. Paciência! Faz parte.
quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018
O carnaval, a garagem e o secretário
Ninguém me contou. Eu vi. Ao vivo e a cores. A poucos metros de casa. Mais precisamente à direita, onde funciona um salão de cabeleireiras.
Tudo aconteceu no fim de semana anterior ao Carnaval. E tudo por causa do grito de carnaval promovido pelo Botequim Carioca, aqui na esquina, com patrocínio da marca Jeep.
Entre privilégios e contratempos, o evento forçou a interdição de pelo menos duas faixas de rolamento, na rua Santo André e na Coronel Ortiz. Mesmo porque, além da festança, obviamente regada a muita cerveja, era preciso dar publicidade em lugar de destaque aos dois veículos Jeep.
Até aí, nada demais. Pelo menos aparentemente. Afinal, sabe-se lá o que se esconde por detrás de um grito. O grito "qualificado" de alguns manda chuvinhas de plantão. Pretensos ou potenciais amigos do rei.
O problema é que havia bastante gente e, como consequência, igual número de veículos. E um deles estava estacionado diante da garagem da dona Dulce, que costuma trabalhar também aos finais de semana.
E não é que ela chegou pra entrar exatamente quando uma bela nave prata-perolizada ali estava estacionada! O que fazer? A quem reclamar?
Sem alternativas, a vizinha foi obrigada a estacionar seu Ka diante do Sindicato dos Rodoviários e mais tarde um pouco mais longe, antes de eu sugerir que parasse momentaneamente diante da minha garagem.
Nesse ínterim, nada de o "nobre" e educado proprietário da nave aparecer. Quem seria? Onde estaria? Talvez fosse familiar de algum doente do Hospital Municipal. Ou algum folião desastrado, distraído ou simplesmente mal-educado?
Após tentar, sem sucesso, contato com o pessoal do Trânsito, dona Dulce resolveu afixar um recado bem sugestivo no vidro da nave, questionando a atitude do figurão.
(Com direito a uma pergunta que não quer calar: será que se os servidores aparecessem teriam coragem de efetivar o auto de infração e multar alguém possivelmente tão próximo do poder? Será que a penalização prevista em lei seria mantida ou prevaleceria o peso da "otoridade"?)
Bom... vida que segue. A estas alturas, eu, corintiano, já estava dentro de casa vendo o jogo do Palmeiras. Enfim, por cautela, não deveria meter a colher e nem me indispor em nome de outrem.
Quietinha, lá estava a belíssima nave prata-perolizada, placas EFY-3766/Santo André. Enquanto a vizinha se resignava e o Verdão ganhava.
Findo o grito dos manda chuvinhas da província, eis que chega o dono do possante. Lê o recado, sobe as escadas e pede desculpas às vítimas de atitude nada educada. O que não o isenta de (ir)responsabilidade. Apenas atenua.
Afinal, ficaria muito chato se um homem público, o secretário de Inovação e Administração da Prefeitura de Santo André, não se dignasse nem ao menos a se desculpar.
Filho do meu amigo Eufly Gomes, já falecido e ex-proprietário do Colégio Pentágono, bem que o autor do mau exemplo poderia ter evitado tal papelão e seguido a cartilha do pai.
Lamento tal atitude. Ao senhor Fernando Buíssa Barros Gomes faltou o que tanto o saudoso pai pregou aos seus milhares de alunos: educação.
sábado, 10 de fevereiro de 2018
A virada do Ramalhão na voz do grande Fiori
-- Neneca vai defender o gol de entrada do Estádio Bruno José Daniel. Cássio fica na cidadela dos fundos, ao lado do Clube Atlético Aramaçan. Agora você fica com a mais perfeita transmissão do rádio esportivo brasileiro, na voz vibrante do premiado Fiori Gigliotti.
-- Obrigado ao nosso competente repórter Roberto Silva. Atenção! Apiiiita o árbitro! Abrem-se as cortinas e comeeeça o espetáculo! Júnior Dutra toca para Jadson. Jadson recua a bola para Gabriel. Gabriel abre na direita para Fágner...
-- Bola subindo, bola descendo, cabeeeça na bola Balbuena, o moooço que veio de Ciudad del Leste. O xerife da zaga corintiana.
-- O teeempo paaassa: 15 minutos de jogo. Hora de ouvir a voz de quem conhece tudo de bola, Mauro Pinheiro.
-- Fiori, por enquanto um jogo bem igual. Mesmo ainda sem vitória no campeonato, o chamado Ramalhão adianta a marcação e dificulta a saída de bola do bom e organizado esquadrão de Fábio Carille. Abusando de chutões e bolas longas, o Coríntians esquece o toque de bola e facilita a vida dos zagueiros adversários.
-- Este foi Mauro Pinheiro. O céu está carrancuuudo torcida brasileira! E lá vem o Coríntians pela direita com Romero. Ele teeenta passar mas não passa! Perde a bola para o lateral Paulinho e permite o contra-ataque.
-- O teeempo paaassa! O Coríntians contra-ataca rapidamente pela esquerda. Júnior Dutra passa o pé sobre a bola, dribla Domingos, mas o cruzamento é interceptado por Soelinton.
--O teeempo paaassa! Agora são 17 minutos e o Timão acelera pela direita. Fágner domina. Ele gooosta da bola! Fágner cruza, Romero desvia de cabeça, a bola bate em Domingos; defeeende Neneca!. O moço de Rondonópolis opera um verdadeiro milaaagre - certo Olho Vivo?
-- Sim, Fiori, um milagre. A zaga falhou e por pouco o gol não saiu. Se saísse, nada mais coerente para um time que passou a tomar conta do jogo. Mauro?
-- Concordo plenamente Roberto! O Santo André já não marca tão bem a saída de bola e o Coríntians, mesmo sem ser brilhante, passou a dominar o meio-campo. O gol está maduro!
-- Lá vai Coríntians de novo! Balão subindo e descendo, pára no peito de Rodriguinho, o moço de Natal domina com classe e toca para Jadson; Jadson para Gabriel; Gabriel para Pedro Henrique; daí para Jadson; Jadson enfia boa bola na esquerda pra Romero. Romero cruza, atenção, Júnior Dutra desvia e a booola beeeija o pé do poste direito de Neneca! Por pouco o Coríntians não abre o placar.
-- Lá vem o Santo André! De Flávio para Dudu Vieira, de Dudu para Joãozinho, que teeenta passar por Fágner, mas não passa! A bola fica facilmente com a defesa corintiana.
-- Atenção! Perigo! Bateu Rodriguinho, de primeira. A bola passa perigosamente reeente ao poste esquerdo de Neneca! Festa da grande torcida da arquibancada oeste. Mas apenas impressão de gol. Certo Mauro?
-- Sim, caro Fiori! A bola passou muito perto. Fruto da superioridade do Coríntians, agora um time mais solto, com toque de bola envolvente no setor intermediário. Ao aplicado Santo André resta se garantir sem tomar o gol.
-- Atenção Mauro, pode ser agora! Cleyson desce em velocidade pela esquerda, passa por Jonathan Bocão, cruza pra trás, quase na marca penal; Rodriguinho chuta, é fooogo, é gooooooooooooooooool! Uma beleeeza de goool!Agora não adiaaanta chorar, Neneca! Trinta e oito minutos, um para o Coriíntians, zero para o Santo André.
-- Finaaalzinho da primeira etapa! Júnior Dutra cruza, Fágner chega pela direita, bate firme, Neneeeca! Sensacional!
A BEEELA VIRADA!
-- Fiori, o Coríntians volta igual para o segundo tempo, mas o Santo André faz uma mudança radical. vem mais ofensivo. Sai o lateral-direito Jonathan Bocão, Dudu Vieira vai para a lateral, Flávio fica como volante solitário, Joãozinho vai para a direita e Hugo Cabral entra na esquerda pra partir pra cima de Fágner. Assunto para o nosso comentarista.
-- Isso mesmo Roberto! O jogo vai mudar. O Santo André vai se expor para atacar e correr riscos de sofrer gols. Por isso o jogo vai melhorar. Vamos aguardar para ver como o Coríntians vai reagir!
-- Obrigado Mauro! Comeeeça o segundo tempo! Bola com Lincom...
-- Balão subindo e descendo; cabeeeça na bola Domingos, o moooço de Nazaré das Farinhas! Um baiano, gigaaante por natureza! O Santo André ataca pela esquerda. Joãozinho carrega em diagonal, toca para Tinga. Tinga ajeita na entrada da área, pé direito na bola. É fooogo. É gooooooooooooool! Uma pintuuura! Uma beleeeza de gol torcida brasileira! Um tiro cooomprido do moooço de Bom Jardim, no canto direito alto, sem chances para Cássio. Coríntians 1, Santo André 1. Oito minutos. Agooora não adiaaanta chorar Cássio. Bem que você alertava, hein Mauro...
-- Pois é Fiori. O Santo André voltou ligado, aceso, e o Corintians não se deu conta de que o jogo mudou. O menino Hugo Cabral tá fazendo uma fumaça danada pela esquerda.
-- O teeempo paaassa! Treze minutos da etapa complementar; e só dá Santo André. Que ataaaca de novo com Hugo Cabral. Hugo Cabral pára na frente de Fágner, tenta passar. Já passou! Vai cruzar, chega Balbuena e desmaaancha a obra-prima que se desenhava no tapete verde de Santo André.
-- Lá vem o Coríntians em busca de um futebol que parece ter ficado nos vestiários. O teeempo paaassa! Dezoito minutos... Atenção cruzamento na cabeeeça na bola Romero, desvia e salva o centroavante Lincom, lá atrás ajudando a defesa andreense.
-- Triiinta e cinco minutos! A grande e fiel torcida corintiana está meio quieta; será que pressentindo algo de ruim? A bola sobra na direita pra Dudu Vieira, ele ajeita e cruza. É fogo, é fogo, é goooooooool. Lincom, o moooço de Camapuã, cabeceia sem chances para Cássio, o moooço que veio de Veranópolis. Santo André 2, Corintians 1. Tudo normal Mauro?
-- Quanto à posição do centroavante, não! Ele estava com o tronco à frente, impedido, portanto. Mas o lateral não pode cruzar com tamanha facilidade e a zaga não pode ficar plantada. Falhou feio! Quanto ao resultado? Surpreendente mas justo, pelo que o Santo André mostrou no segundo tempo. Mais compacto, mais rápido, mais organizado, mais veloz e com mais volume de jogo. Ao Coríntians faltaram criatividade e competitividade à altura de time grande.
-- O teeempo paaassa! Crepúuusculo de jogo no Bruno Daniel! Quarenta e nove minutos! Apiiita o árbitro! Tudo está consumaaado! Fecham-se as cortinas e termiiina o espetáculo! Agora não adiaaanta chorar torcida corintiana! A festa é todinha do mundo azul!
(Este texto é uma singela homenagem a quem teve o dom e a magia de fazer o menino sonhar)
terça-feira, 30 de janeiro de 2018
Sem futebol convincente e sem IPTU extorsivo
-- E aí, grande irmão, tudo bem? Tá ocupado?
-- Não. Pode falar.
-- Você viu que suspenderam o aumento abusivo do IPTU?
-- Ainda bem. Uma extorsão!
-- Concordo! Mas não liguei pra isso.
-- Se for pra ir andar em Paranapiacaba, eu não vou não. Só depois de me vacinar contra a febre amarela. Lá tem aquele macaquinho, hospedeiro do mosquito maldito.
-- Não, nada disso. Quero falar do Santo André.
-- Então fala...
-- Cal, ainda bem que a gente não foi no Bruno Daniel hein!
-- Por quê?
-- Porque o nosso Santo André não jogou nada. E ainda nos livramos da chuva.
-- Verdade meu amigo. Vi o jogo pelo SporTV. Que sorte hein! O empate de 1 a 1 até que ficou de bom tamanho.
-- Brincadeira! Também assisti. Um joguinho né?
-- Também não gostei não. Muito fraco. Pra falar verdade, uma bosta!
-- Matou a pau. Uma bosta! O primeiro tempo foi ridículo. O Mirassol foi muito mais organizado, mais eficiente na marcação adiantada e na armação. Toca bem a bola. Se tivesse mais sede e poder de fogo ofensivo faria pelo menos dois gols.
-- Vem cá! Como o Santo André marca mal hein!
-- Concordo Cal. Foi indolente, preguiçoso, benevolente. Deu muito espaço. O futebol atual não permite tamanha benesse ao adversário. O Mirassol passeou como quis na avenida, num sambódromo chamado Brunão.
-- Vem cá! Se jogar só isso vai cair. A defesa é muito ruim e o ataque não rende.
-- Sim. O sistema defensivo como um todo não foi bem. O miolo de zaga é pesado.
-- Nossa! Você viu no gol do Mirassol? O zagueiro deles subiu com a mesma facilidade do Balbuena contra o São Paulo. O Domingos e aquele outro não saíram do chão. Pareciam nós dois no Primeiro de Maio. Só que somos sessentões, não profissionais da bola. No tempo de Birigui eu jogava mais que esses caras.
-- Cal, o nosso ataque também não foi lá essas coisas né?
-- Não vi quase nada de bom. Por isso ainda não ganhamos de ninguém. Criou pouco pra quem jogava em casa. Só o gol.
-- Diante de 4 mil torcedores o time poderia ter sido ao menos mais intenso, mais vibrante né? Melhorou um pouco no segundo tempo, quando acelerou e errou menos passes, mas com certeza o Sérgio Soares não ficou feliz não. Seu time fez o gol mas depois voltou a ser dominado.
-- Nem ele, nem eu, nem você e muito menos o torcedor que tomou chuva né?
-- Cal, na próxima a gente vai lá. Quem sabe damos sorte?
-- Sorte só não resolve. Só se o nosso time correr e jogar bem mais.
-- Pelo andar da carruagem, é melhor você ir ver o seu Palmeiras milionário e eu me contentar com o meu Corínthians campeão.
-- Tá bom!
-- Tchau! Dê um abraço no Bruno.
-- Tchau. Ah, agora tô vendo a entrevista do nosso prefeito na GloboNews. Pelo menos o Paulinho Serra teve humildade e revogou o abuso do IPTU.
-- Não fez nada mais do que a obrigação. Teve humildade(?) e inteligência. Estava sendo prepotente, metido e burro.
quarta-feira, 24 de janeiro de 2018
O prefeito neófito, a casa antiga e o IPTU abusivo
Infelizmente, preciso vender minha humilde residência.
Fica na Rua Santo André, pertinho da Brasileira, do Botequim Carioca, do Sindicato dos Rodoviários, da Igreja Matriz, de bancos, parques e supermercados.
Casa geminada, antiga, da década de 1950. Comprida, sem tanta privacidade. São 148 metros quadrados de terreno e igual área construída.
Três quartos, sala, cozinha, três banheiros minúsculos, garagem pra dois carros pequenos, corredor, laje, lavanderia, dispensa-escritório e um barracão-salão.
Ah, meu barracão! Difícil não se apegar. Meus netos vão sentir muito. Lá eles pintam e bordam. Também lá, faço meus exercícios físicos e mentais; recebo meus amigos de verdade.
Muita conversa, muita risada, muita saudade, muita cumplicidade entre uma pinguinha, um bom vinho ou uma cervejinha. E aquela caipirinha de jabuticaba, lichia, uvaia...
Como disse, casa bem antiga; não posso omitir do futuro comprador. O telhado sessentão não se garante. Se chover forte a calha não dá conta. Goteiras também aparecem aqui e ali quando o aguaceiro vem pesado.
O forro, ah, o forro, feito com carinho por um carpinteiro de mão cheia, meu falecido tio/sogro, seu Waldomiro. Tem cupim a dar com pau e furos de dar inveja a qualquer peneira ou goleiro frangueiro.
Caro comprador, preciso ser honesto, não posso deixar de citar as infiltrações nas paredes e no piso. Tô com medo de qualquer hora o forro cair ou o piso afundar.
Já a parte elétrica é mais nova, foi revisada há pouco tempo. Acho que em 1977, há 40 anos. O chuveiro dos fundos queima toda hora.
Por falar em chuveiro, os canos de ferro dominam o cenário, com ferrugens e constantes entupimentos ou limitações de vazão em momentos impróprios. Além de estourarem as paredes dos banheiros.
Resumo da ópera -- ou da obra: minha casa está uma draga. Nem compensa reformar. Por isso está à venda há dois anos, justamente ao mesmo tempo em que o mercado imobiliário da província também naufragou. Mas foi enquadrada como palácio da modernidade.
Avaliada em 2015 por quatro imobiliárias pela média de mercado, nada mais justo, então, do que fixar o preço em cerca R$ 440 mil. Pra vender por R$ 400 mil.
Mas eis que chega o carnê do IPTU! Conforme avaliação da Prefeitura, o valor venal do meu "palacete", com tantos problemas estruturais, chega a exorbitantes R$ 646 mil, sendo R$ 191 do prédio. Valorização estupenda de 170% se considerarmos o carnê do exercício de 2016.
Cá entre nós, pra ser justo, o valor venal estava mesmo defasado. Mas não era o caso de ir com tanta sede ao pote. Bastava ser menos guloso e mais sensato. Simples assim!
Quanto à correção abusiva do imposto predial, se não houvesse o tal limitador da facada, o aumento relativo ao meu imóvel chegaria a escorchantes 304% em dois anos.
Isto posto, decidi que não posso vender meu cafofo pra qualquer um. Que tal, então, ir direto a um comprador em potencial? Alguém que queira montar uma clínica? Talvez escritórios de arquitetura/advocacia ou um belo bar?
Caramba! Por que não o meu candidato (?) nas eleições passadas? O próprio prefeito, boa gente, boa família, mas a se portar como um neófito, iniciante, sem coerência e comedimento na gestão da coisa pública. No caso, a famigerada revisão da Planta Genérica, com IPTU de boi gordo em tempos de vacas magras.
Sim, quero vender meu "palacete" para um calouro incapaz de mensurar o tamanho de seus atos. Tudo em detrimento do cidadão comum; da população. Com o perdão da redundância, mais um político que agora usa escudos com conversa fiada e joga a culpa da insolvência financeira do município só nas administrações anteriores.
Meia verdade! Não nos esqueçamos de que o atual prefeito sabia de tudo. Participava de quase tudo -- possivelmente até de acertos partidários antes das eleições --, pois foi vereador e secretário do desastroso governo petista.
Que pena, Paulinho! Gol contra! Atitude prepotente e sem limites. Característica de juvenil! Você prometeu muito mas parece não saber lidar com o poder que lhe caiu no colo por absoluta falta de concorrência. E que se mantém nele por absoluta conivência de outros poderes.
Compre meu "palacete" ou ofereça para secretários ou vereadores cordeirinhos que endossaram tamanha afronta e agora estão num mato sem cachorro! Só R$ 400 pilas! Oportunidade imperdível! R$ 246 mil de lucro. Pechincha! Galinha morta!
Ah, pode deixar que eu pago o IPTU! Em parcela única. Uma merreca!