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segunda-feira, 9 de maio de 2022

UM SONHO, DUAS BANDEIRAS E TRÊS CUMES

Enfim, no topo do Cristal


Chegando no Bandeira




Na cabeça, um sonho acalentado há  exatas duas décadas,  ainda no alto das Prateleiras. No topo da  terceira montanha mais alta do Brasil, duas bandeiras a emoldurar um coração orgulhosamente rio-pardense/andreense. Na realidade, três conquistas sequenciais de cumes em menos de 10 horas. Feito respeitável pra quem ja passou dos 60!

No último dia 28 de abril, com temperatura entre 20° e 25°,     sob  um fantástico céu de brigadeiro a iluminar a Serra do Caparaó, enfim, Bandeira, Calçado e Cristal  nos receberam de braços abertos.

E que abraço!!! O melhor  do mundo. Como ombro de pai, colo de mãe, cumplicidade de irmãos, esposa e filhos,  e  sorrisos  inocentes de netos...

Hoje, de volta, eu  e o amigo Fábio Turazza, um parceiro nota 10,  ainda estamos transbordando de orgulho e  felicidade. Foi bem difícil, cansativo, mas valeu a pena. Gratificante! 

Bem na divisa de Minas Gerais com o Espírito Santo, encravada aos pés de montanhas produtoras dos melhores cafés do Brasil, a  jovem ( emancipada em 1995) e pequena  Alto Caparaó tem apenas seis mil habitantes. Pouco mais, pouco menos, talvez.

Diz a lenda que  três boiadeiros corajosos subiram a serra, laçaram e caparam um touro muito  bravo chamado  Ó, daí o nome Caparaó. Huuumm!

Também há mineiro hospitaleiro  a jurar que o nome do município   vem do tupi-guarani --  caaparo, coisa silvestre, do mato, como a água cristalina que desce da montanha.

Na véspera, de Santo André até lá foram 764km,  superados em 12 horas. Pista simples, muitas curvas, caminhões, lombadas e, no  trecho final,  sem acostamento e com invasão do mato, um buraco dentro de cada cratera.  Absurdo! Vergonha a ser creditada na conta do governo mineiro.





A grandeza do Cristal




Um ponto branco no meio da bela montanha


Um dia de Homem Aranha
Um caipira  6.7 no cume cristalino



QUERÊNCIA, TRONQUEIRA, TERREIRÃO...

No dia seguinte, após sono reconfortante na simples e aconchegante Pousada Querência, pulamos da cama logo cedo, tomamos café reforçado na padaria mais  próxima e fomos ao encontro do guia  nota 10. Como líder e condutor,  Sairo começou ainda  menino,  aos 15 anos.  Já são 23 de dedicação à preservação de natureza exuberante e a turistas do país  inteiro. Tão discreto e simplório quanto altamente comprometido com a profissão e com a serra. 

Fomos de carro.  Lógico! Oito minutos e 13 segundos até a portaria do Parque Nacional do Caparaó -- ingresso gratuito reservado pelo site -- e mais uns 18 minutos de estrada de terra apenas razoável até o estacionamento Tronqueira. 

OBRIGADO, MEU DEUS


Sairo, um guia de verdade



Fábio  Turazza e Sairo, parceria vitoriosa 


Daí pra frente, a partir das 7h20min,  por 3,7km, um show de beleza incomum. Sebo nas canelas, até passarmos pelas  lindas cachoeiras e poços cristalinos do Vale Encantado --  de um lado MG, do outro ES -- e chegarmos ao famoso Terreirão.

Ali,   trilheiros, aventureiros, turistas de ocasião e até peregrinos do Caminho da Luz, montam barracas ou apenas descansam e se reabastecem antes de encarar os 3,2km finais até o cume do famoso Bandeira. Aquele, então considerado o ponto mais alto do Brasil,  onde, em 1859, D. Pedro II mandou fincar uma bandeira do Império. 

Após tomar água gelada, gatorade e um café feito na hora pelo Sairo, retornamos pra trilha às 9h15min, no exato momento  em que quatro mulas chegavam com material para reformas de  duas  construções utilizadas por guias e funcionários do parque. Ah,   também ali fica a Casa de Pedra, que, do final de 1966 ao início de 1967, na chamada Guerrilha do Caparaó, teria servido como "QG" de  alguns militares cassados e guerrilheiros  de esquerda que se insurgiram contra a ditadura militar. Muita fumaça e pouco fogo.

Duas paixões: Brasil e Coríntians



PARTIU CRISTAL!


Sem perder tempo pra não voltar no escuro, cruzamos a pontinha  referência/divisa dos estados sobre um "corguinho" e, já em terras capixabas, aceleramos por cerca de 2km -- bem próximos de outros picos relevantes como Morro da  Cruz do Negro (2658m), Tesouro (2620m), Tesourinho e Pedra Roxa (2649m) -- , até a bifurcação: à esquerda, uma subida com muita pedra quase em linha reta até o Bandeira; à direita, uma trilha -- a das 3 Lagoas, que poucos fazem--, passando pela nascente do rio Caparaó,  onde tomamos água, até a base do Cristal, ponto culminante do Estado de Minas Gerais. Um sobe e  desce sem fim e sem  demarcações claras. Daí a importância de se escolher um bom condutor.

Nossa escalaminhada não foi fácil. Pra mim! Nosso guia praticamente não usava as mãos, enquanto  este caipira estava mais pra cabrito montanhês do que pra Homem Aranha.

Caraca! Inclinação chega a  assustar...se errar o passo, a ranhura,  o apoio, era uma vez. Alguém tomaria o  último vinho por mim...

Foram  uns 25 minutos pra conquistar uma das  montanhas  top 10 do Brasil.  Nem o confuso IBGE sabe oficialmente  se é a sexta ou a sétima entre as brutas. No cume, com 2770m,  descortina-se  cenário deslumbrante. Um mar de montanhas a perder de vista, com o casario  de Alto Caparaó fincado lá embaixo, ladeado por cafezais. À esquerda,  já no Espírito Santo, o acampamento da Casa Queimada, outro caminho de acesso ao Bandeira.

Livro de cume molhado mas rubricado com orgulho, cristal prometido pra neta Julia no bolso,  descemos com extremo cuidado, em 15 minutos.  Na base, reforçamos o estômago, jogamos conversa fora e  às 13h partimos pra cima, contornando o Calçado Mirim (2818m) por uma trilha estreita até atingir o Calçado, ainda  extraoficialmente considerado pelo IBGE  como o  quarto mais alto do País,  com 2849m.  Mas deve ser excluído da lista porque mais parece ombro do Bandeira.

Em seguida, com o coração na boca, a língua de fora e a musculatura da perna dando  claros sinais de cansaço, passamos pelo Pico 2 ou Pico do Cruzeiro (2852m), descemos um pouco, ganhamos a trilha principal e partimos definitivamente pra  atingir o Bandeira.


Chegamos ao topo, 2892m, às 14h,   ainda com céu azul, mas com neblina e nuvens se aproximando a partir do Cristal.

Muito alto. Visão de 360° de tirar o fôlego. PQP! Coisa  fantástica! Mais água, carb up,  castanhas,  doces, salamitos, cumprimentos mútuos, agradecimentos e  fotos  com as bandeiras do Brasil e do nosso Coríntians.

No  famoso livro de cume, fica, com orgulho,  um legado singelo, mas  para  a eternidade...os nomes dos meus oito  amados netos: Victor, Júlia, Davi, Matheus, Cecília, Beatrice, Gabriel e o caçulinha Gustavo.

E  lá vamos nós morro abaixo. Como diz o ditado,  o santo pode até ajudar, mas o cansaço empurra pra quedas inevitáveis.

Saímos  do Top-3 às 14h20min e só descansamos uns cinco minutos no Terreirão, pra chegar no Tronqueira às 17h  dentro da programacão proposta pelo torcedor do Flamengo de fala mansa, passos firmes, guiada segura e liderança quase silenciosa.

Graças a ele, as montanhas nos receberam de braços abertos. Graças  a Deus, nossos  sonhos viraram conquistas inesquecíveis. 

Graças a todos os anjos da guarda de plantão,  fui enaltecido por ter feito tudo isso --  cerca  de 16,5km,  ganho acumulado de altitude superior a 1350m e perda próxima de 1250m -- em apenas 9h40min.












Fábio, um guerreiro 6.3


 Aventura inédita sob o comando do Sairo. Pelo menos pra quem completa 67 anos daqui a 30 dias.  Ainda vou mais longe e mais alto. Acreditem!  Afinal,  amo, respeito e sou amigo da montanha. 

Faltou tempo pra curtir as belas cachoeiras e as invejáveis  plantações de café da região. Quem sabe um dia?

Muito obrigado a todos.








FABIO, SAIRO E RADDI