Foram exatos 206 mil 284 passos em cinco dias. Cerca de 154 quilômetros de muito suor, cansaço, dores, bolhas e até uma pitadinha de sangue. Lágrimas, só na chegada.
Cinco longos e inesquecíveis dias de companheirismo ao lado do amigo-irmão José Luiz Scarpin, o Zé. Subidas e descidas por estradas, montanhas, campos e vales sem fim. Um desafio! Modéstia à parte, não é pra qualquer cristão.
Uma maravilha! Natureza exuberante. E gente simples, hospitaleira. Sem frescura! Sem nariz empinado, sem pompa como muitos bagrinhos e/ou coronéis de províncias com rótulo de cidade grande. Simplesmente, gente como a gente! Dois caipiras quase sessentões, de Birigui e São José do Rio Pardo.
Cinco dias de muito verde, muita vida. Um caminho de casinhas, igrejas, currais e muito gado leiteiro ou de corte. Um caminho de matas, de pássaros, de cafezais, canaviais, arrozais e bananais. Também à sombra de eucaliptos e araucárias.
Um caminho de muita história, muita prosa, causos, palhaçada da dupla e a medida exata de determinação, oração, meditação, esperança e fé. Mais de 200 mil passos -- segundo o meu pedômetro --, com pedidos de proteção e muita gratidão por graças alcançadas.
Cinco dias praticamente sem TV, rádio, jornal e internet. Celular, de vez em quando, só pra mandar fotos e notícias pra casa.
Cinco dias sem querer saber de sacanagem, vagabundagem e corrupção de políticos e cia de puxa-saquismo, fisiologismo e vassalagem.
Foram 154 longos quilômetros sem querer saber de bandidagem dentro e fora do Poder Público. Nem de manifestações recheadas de black-bocs e outros bandidos, bancados por pseudo-homens, com carácter ao rés do chão.
Vales, montanhas e até campos de altitude da Serra da Mantiqueira foram nossos escudos contra o mal. O silêncio e o aconchego de matas, riachos e pequenas cachoeiras nos acolheu e nos protegeu do barulho ensurdecedor do homem cifrão, do trânsito, do Bombeiro, da Polícia, da ambulância, do racha e do assassino em fuga.
Nosso duro e doce desafio de fé e dos próprios limites físicos e mentais começou na quinta-feira de manhã, em Estiva-MG, e terminou segunda-feira à tarde em Aparecida-SP. Mais precisamente na famosa basílica em homenagem na Nossa Senhora Aparecida.
Antes de iniciar a peregrinação no sul de Minas, saímos de Santo André. Trem tranquilo, metrô ensardinhado, terminal lotado e, milagrosamente, ônibus partindo no horário.
E lá vamos nós. Íamos! Uma hora para superar pequena distância devido ao congestionamento na Marginal Tietê antes de chegar à Dutra e depois à Fernão Dias. Aí o busão andou pra valer.
Mairiporã, Atibaia, Bragança Paulista, Vargem e uma lua cheia digna de casais apaixonados. Extrema, Itapeva e Cambuí, com direito a rápida parada na pequena rodoviária.
Quatro horas depois, às 10h30min da noite, somos despejados no acostamento da rodovia, junto à passarela que dá acesso a Estiva, terra do morango. Dali até a pousada, com a cidade a dormir, descemos e subimos até a praça principal. Um aperitivo de 1,5 quilômetro.
Caminhada pra valer mesmo -- 42 quilômetros -- começou pouco depois das seis e meia da matina e terminou depois da quatro da tarde. Café, leite, mamão, suco de laranja, banana, pão, frios e coragem na medida exata.
É bom lembrar que na noite anterior jantamos muito bem no restaurante Mãe Geralda. Irmãos palmeirenses, Tadeu e Romeu, nos trataram de forma exemplar. Não faltou a cervejinha, além daquela tradicional água que o passarinho não bebe. Da boa. Oferta da casa.
Passarela superada, o primeiro grande desafio da manhã, após superarmos a bairro Boa Vista, foi a temida e famosa Serra do Caçador. Lá de cima, o visual da montanha, do vale e da rodovia Fernão Dias é muito bonito. Extraordinário! Difícil é subir.
Até começar a descer para chegar à pequenina Consolação foi um Deus-nos-acuda. Suei em bicas. Os três ciclistas de Jundiaí que nos alcançaram também penaram. Eles vinham de Tambaú, a mais de 400 quilômetros.
Da pousada Poka (comandada por dona Zezé, que perdeu a hora e atrasou nosso café) até Consolação foram 19,5 quilômetros. Saímos de 950m de altitude, subimos -- ou escalamos? -- para 1300m e depois descemos para 1050m.
Um sufoco tanto morro a cima quanto ladeira a baixo! Como eu e o Zé Luiz somos meio orelhudos, e teimosos, tivemos certa dificuldade para transpor os mata-burros. Às vezes, preferíamos pular ou abrir a porteira...
Pouco antes da cidade, já no plaino, passamos por uma fábrica de polvilho, que, segundo um certo amigo-irmão, é feito de "polvo triturado". Por superstição, dois últimos tentáculos devem ser descartados.
Na chegada, tive a paciência de contar 48 canarinhos da terra nos fios logo acima de um curral. Bom lembrar que durante todo o caminho nos encantamos ainda com pássaros pretos (normais e do brejo), pintassilgos, coleirinhas, chupins, tucanos, gralhas, pica-paus, joão-de-barro, sabiás, tico-ticos, quero-queros, carcarás, gaviãozinho pinhé, viuvinhas, tesourinhas, saracuras e até jacus, ali em Campos do Jordão.
Após merecido descanso na pracinha de Consolação, barrinhas, castanhas, damasco e um Tampico para substituir o pretendido Gatorade, retomamos o desafio.
Mais ladeira até encontrar e andar cerca de três quilômetros na rodovia asfaltada, onde, na primeira curva mais fechada, quase fomos atropelados por um carro -- pasmem -- da Polícia Rodoviária. Quanta irresponsabilidade de quem deveria dar exemplo.
Mais tarde, deixamos o perigo do asfalto quase sem acostamento e entramos à direita. Com altos e baixos, montanhas e riachos. E muita bosta de vaca pelo caminho. "Olha o toco, Zé".
Próxima parada, estratégica, após oito quilômetros, foi na casa do Bruno, filho de outro amigo-irmão, o Cal , também de Santo André e do Primeiro de Maio.
Bruno é músico e também peregrino do Caminho da Fé. Gente finíssima. Um jovem sonhador, nota dez, que já pensa em receber os caminhantes no seu cantinho, ali no bairro dos Jacintos. Fica a sugestão do nome: Pousada do Maestro.
Meia hora de descanso, conversa de amigos, cerveja -- sim, latinha, gelada -- e suco de laranja do quintal. Quando falo que tomamos cerveja com prazer há quem se assuste. Esquece! É uma delícia. Desce doce, hidrata e alegra a mente. Com amigos, vira um néctar.
Porém, ainda faltavam 14 quilômetros para aportarmos em Paraisópolis. Abastecidos, subimos de 900m para 1200m. Coisa de malucos, já cansados e com dores. Descemos novamente para 950m. Eu não tinha dúvidas de que já somava algumas bolhas porque os dedos eram judiados pela bota, embora já amaciada. Me vendeu!
Pior é que ficamos sem água por bom tempo. Até que apareceu uma alma bondosa, o Tiãozinho. Nos protegeu de três cachorros mal encarados. Mangueira junto à piscina foi salvadora. Água guela a baixo, na nuca, na cabeça, nos braços e nas pernas. Quase um banho para superar os descendentes quatro quilômetros restantes do dia.
Arrebentados -- mais eu --, chegamos à pousada da Praça, sob a direção da dona Jandira. Surpreendentemente, fomos avisados de que não havia vagas. Fizemos bico e cara de poucos amigos. Ponderamos que tínhamos feito a reserva há mais de 15 dias e que não era justo.
Após alguns minutos, fomos acomodados em detrimento de outros hóspedes, que, com certeza, pagaram o pato. Depois, fomos bem tratados. Limpeza, atenção, cama boa, chuveiro bom, silêncio e café da manhã sem restrições.
À noite, tomamos uma caipirinha e duas Brahmas para acompanhar a pizza. Só que desta vez com a surpreendente e sempre agradável companhia do Cal e do "maestro". No dia seguinte, dispostos e com bolhas drenadas, saímos pouco depois do nascer do sol. Café bom, como disse, e no horário combinado.
Nossa planilha apresentava um desafio mais leve, de 24 quilômetros. Asfalto, terra, ponte sobre o Rio Sapucaí. Até o k12 foi molezinha. De 950m para 900m, com pequenas alterações de altimetria. Um sobe-e-desce quase de principiante. Depois, no entanto, sofremos um pouco. Até o k20 subimos para 1250m.
Detalhe curioso: pouco depois do rio, entramos à direita, já na terra e com generosa sombra de eucaliptos. Com um vira-lata carente e teimoso a nos acompanhar. Foi conosco por pelo menos dois/três quilômetros. Quando o Zé tirou o facão para cortar um bambu e ajeitar um novo cajado, o cachorro picou a mula; sumiu.
Após descanso, hidratação, castanhas, damasco seco e banho gelado na pequena cachoeira, e superada a pesada Serra do Cantagalo, descemos para 950m e paramos um pouco na pousada simples mas aconchegante da Vó Maria, gerenciada pelo simpático Rodrigo.
Atencioso, ele nos deu boas-vindas e nos ofereceu água, café, almoço -- abrimos mão pelo horário --, bolachas e até bananinha caseira, além de mexerica, doces de leite e de banana. Simpatia ímpar até no momento de tirar fotos e dar o abraço de peregrino, unindo corações.
Ali, na casa de colônia, não resisti às lembranças de infância. Sentei-me no fogão -- sim, em cima do fogão --, mexi na lenha, assoprei o fogo levemente e me lembrei da saudosa vó Lica, lá na fazenda Boa Esperança. No paraíso do bairro Cantagalo o Rodrigo ainda oferece livros doados e até filme para o pessoal da roça.
Depois das fotos, descemos para os mesmos 950m. Declive é descomunal por entre árvores variadas e bananeiras intermináveis. Lógico que, sem esforço algum, o Zé pegou, do cacho, meia dúzia de bananas quase maduras, devoradas no dia seguinte.
Descida na chegada parecia não ter fim. Quase chorei de dor. Tudo recompensado pela mãe natureza, pela beleza das montanhas e da "cidadezinha" vista do alto. Incrustada entre maravilhas, Luminosa, com cerca de 600 habitantes, é distrito de Brasópolis, onde fica um dos principais observatórios astronômicos do País..
Ficamos na pousada Nossa Senhora das Candeias, da dona Ditinha e do seu Nilton, também proprietário do bar no andar térreo, onde tomamos duas ... "tubaínas". Não, cerveja e caipirinha com limão cavalo, e cara alegre, não fazem mal, não.
No dia seguinte, sábado, saímos por volta das 7h. A simpática e sempre atenciosa dona Ditinha perdeu a hora e o nosso café atrasou bastante. Ficamos trocando figurinhas -- força de expressão; não é da Copa não -- com herois do Caminho de Frei Galvão e alguns ciclistas.
Duro mesmo era, da sacada, olhar para a altura dos morros que nos esperavam, fincados nos bananais e nas fazendas de gado que rodeiam o distrito. A marca do Zorro invertida desenhada no pasto já assustava. Parecia o início do fim!
Conforme informações e anotações, estávamos prestes a encarar um dos trechos mais belos e difíceis do Caminho da Fé. Tudo confirmado. Infelizmente. De Luminosa até o chalé da dona Erundina, já no bairro Campista, divisa de São Bento do Sapucaí com Campos do Jordão, foi um pega-pra-capar.
Foram 22 quilômetros extenuantes. Nos primeiros quatro/cinco, ainda ali na pousada da dona Inez, eu já estava abrindo o bico. Tomamos água -- agora sem sujeira -- e encaramos o "Zorro".
A maior diferença de altimetria de todo o Caminho da Fé. De 900m para 1800m de altitude. Imagine o grau de dificuldade! É o famoso, temido e amaldiçoado "quebra-perna". Também poderia ser "quebra-tudo", "quero-minha-mãe" ou "deus-me-acuda".
Subidão não é pra qualquer mortal não! Sofremos muito. Principalmente porque de novo nossa água acabou e ficamos na seca por pelo menos três quilômetros de "Nepal". No fim da escalaminhada existia uma biquinha salvadora no meio da mata.
A melhor água do mundo, sem sombra de dúvidas, como alertou um ciclista que nos ultrapassou sem ser multado por excesso de velocidade. Nós, a dois km/h; ele e o companheiro a três km/h. Empurrando a bike, lógico! Lá não tem farol, nem radar, nem zoinho, como diz meu amigo Lance.
Após pequenos aclives e declives, tudo lá na crista da montanha, mas sempre com sombra protetora de eucaliptos e araucárias, adentramos no asfalto que liga Campos do Jordão-São Bento do Sapucaí.
Próximo à divisa dos estados, num sábado no meio do feriadão, o movimento de veículos era intenso por causa da atrativa Pedra do Baú e foi um obstáculo perigoso. De novo, faltou o zoinho! Tanto quanta falta responsabilidade a alguns motoristas.
Até a pousada Barão Montês, na ausência de acostamento, fomos dividindo asfalto e curvas com carros quase sempre em velocidade nada compatível. Paciência! Faz parte. Cheiro e condutas da civilização, do mundo urbano. Infelizmente!
Almoçamos deliciosamente, com gosto mesmo, na bela pousada agora gerenciada pelo Marcelo, irmão do Márcio. Néia, dona Erundina e Andreia, todos alegres e de bom papo, nos atenderam muito bem.
Outra latinha, outra caipirinha, arroz, feijão, macarrão, um filé divino, ovo frito, salada e pão caseiro caíram como uma dádiva divina. Também, pudera, parecíamos cães famintos.
Como ali não havia vagas, de antemão, por telefone, já havíamos reservado um dos chalés da própria dona Erundina, cinco quilômetros pra frente e pra baixo, lá no bairro Campista.
Chegamos cansados -- pra variar -- e eu com mais bolhas a castigarem. Antes mesmo do banho reenergizante, o Zé foi às compras no mercadinho (ou boteco?), junto à casa das latinhas.
Tomamos dois litrões de cerveja e mais duas latinhas. Depois, fiz uma caipirinha daquelas e o amigo-irmão caprichou nos seis ovos cozidos, devorados com metade do pão caseiro cedido pelo pessoal da Barão Montês. Também ganhamos caquis.
No domingo, bem cedo, por volta das seis horas, ainda com estrelas, após lanche daquele pão com queijo e geléia -- não sei do quê --, já estávamos na estrada. No meio da mata silente e acolhedora, das araucárias, a ouvir apenas o canto dos pássaros e, depois, a bagunça dos macacos sauás.
Naquele dia, saímos de mais ou menos 1450m e subimos para quase 2000m de altitude. Foram 32 quilômetros intermináveis. No início, 10 de subida leve mas constante, de Campista até o asfalto do bairro Alto da Boa Vista, com direito a ver novamente a Pedra do Baú mais de perto.
Maravilha! Uma conquista! Mas um perigo. Escalar quase 500 "degraus" sem equipamento, em dia chuvoso, não é mole não. Já encarei o desafio ao lado da esposa Angela. Naquele dia, sem dúvidas, fui irresponsável.
No asfalto, com vista pra Campos, deixamos o Caminho da Fé e entramos à esquerda, no curto "Caminho do Raddi". Foram cerca de oito quilômetros de asfalto e terra, passando ao lado do Pico do Imbiri e descendo até o Morro do Elefante. O Zé Luiz sentia dores lombares por causa da mochila e eu nos dedos premiados com aquelas bolhas malditas.
Lá embaixo, por questão de segurança e após ouvir sugestões de amigos caminhantes mais experientes, optamos por fazer de ônibus o percurso até o Horto Florestal. Mais ou menos 20 minutos, sentados e prontos para devorar o lanche de pão e mortadela com requeijão, mais H2O sabor limão. Nem deu tempo de descansar.
Ao descermos do ônibus, já avistamos a indicação do Caminho de Aparecida. Até a pousada Santa Maria da Serra foram mais 14 quilômetros, e não 10, como mostrava a placa. Diferença de altimetria também foi crucial para tamanho sofrimento.
Era subida que não acabava mais. Por sorte, na sombra, e com direito a vistas maravilhosas, lógico. Mirantes eram sinônimo de colírio para ainda olhos vivos e corpos sempre cansados. Mas agora sem fome. Lanchão naquela bengala coberta com parmesão foi incomparável. Tanque cheio!
Pra ser sincero, foi preciso mesmo ter muita fé e determinação para -- de novo sem água suficiente nem alma bondosa para nos salvar -- chegar vivo ao alto do morro. Além de agradecer e rezar por filhos, netos, irmãos e amigos do peito, pedi a Deus que nos desse forças para chegarmos inteiros.
E Ele ouviu. Dos 14 quilômetros, pelo menos 10 foram de aclive respeitável. Dentro a extensa fazenda Lavrinhas, aportamos na pousada Santa Maria da Serra por volta das 15h30min. Após um banho reconfortante e duas latinhas -- de água tônica... -- cada um, saboreadas junto ao belo lago, fizemos aquela refeição espertíssima.
Com dizia o saudoso tio Miro, nunca almocei tão tarde e jantei tão cedo. Atraso no nosso "rango" foi causado pela presença de uma comitiva (Os Sistemáticos) de Piranguinho, cidade vizinha de Itajubá. Peãozada comeu e bebeu com fartura. Depois, sem pagar todas as cervejas, eles pegaram a estrada morro a baixo, já que dormiriam na pousada do seu Agenor.
Antes das sete da noite, após eu ver meio sem querer o finalzinho do empate do Corinthians com o Atlético Mineiro após quatro dias sem TV, já estávamos debaixo das cobertas. A chuva boa e rápida trouxe o frio. Precisamos de cobertores e aquecedor. Quebrados, não foi difícil pegar no sono antes da oito da noite. Isso mesmo. Dormimos com as galinhas.
Finalmente, chegamos à última etapa da nossa jornada de aventuras, desafios, bolhas e fé. O feriado de segunda-feira prometia. Após o café -- este no horário acertado -- , o pagamento e as despedidas da sempre prestativa Sandra, a gerente da pousada, saímos antes de clarear.
Estava meio frio. Coloquei o gorro e a lanterna de cabeça, mas logo tirei. De cara, começamos a descer a estrada de pedrinhas soltas sem parar. A não ser para admirar e fotografar verdadeiras obras de arte da natureza.
Ainda com direito às luzes das cidades do Vale do Paraíba e a um nascer do sol encantador. Surpreendente a cada curva. Vista do bairro Gomeral, lá no fundo do vale, também merecia um quadro. Um quadro surreal!
Seriam 34 quilômetros para fechar o compromisso de honra, de amigos, com chave de ouro. Foram mais ou menos 12 quilômetros de descida mortal até o Gomeral. Eu com a dança dos dedos e o Zé com dor nos joelhos e nas costas. Mochilas com seis quilos pareciam pesar uma tonelada.
Até a pousada do simpático seu Agenor foram mais três quilômetros de asfalto, agora em terreno praticamente plaino, ao lado de um rio. Próximo da pousada, alcançamos um pessoal supersimpático e prestativo -- Mocinha, Creuza, Maria Inês e Marcos, além da jovem Tatiana e de outros de quem não guardei o nome. A maioria participa de um grupo de "aventureiros" com sede em Campinas. "Quem não anda, desanda" - é o sugestivo slogan impresso na camiseta verde.
Descansamos e papeamos por quase meia hora antes de, sob calor intenso e sol a pino, enfrentar os derradeiros 19 quilômetros da jornada. Muito hospitaleira, a família nos ofereceu água, café e suco de laranja natural. Além de banheiro limpo. Foi ótimo. Peãozada de Piranguinho pernoitou lá e, pelo jeito, bebeu demais e aprontou.
Fortalecidos, descansados -- na medida do possível -- e motivados, encaramos o asfalto, passamos pelo distrito de Pedrinhas, diante da bela igrejinha, e logo entramos à direita, numa estrada de terra e gado sem fim. Sem subida nem descida significativa, mas também sem sombra. Um convite ao caos, à desesperança, à desistência. Dos fracos de espírito.
Antes de faltarem 10 quilômetros já avistávamos a torre da basílica, mas chegar lá pesou como maratona. Tanto que demoramos mais de três horas para passar totalmente pela pequena, quente e nada arborizada Potim antes de cruzar o rio Paraíba e nos aproximar, de fato, da grande igreja. E olhe que os dois copos de caldo de cana na beira da estrada me ajudaram. O Zé Luiz não quis.
Juro que no final eu já não aguentava mais de cansaço e dor nos dedos. Principalmente por causa das malditas bolhas. Tanto que fiquei um pouco para trás do pessoal e do amigo-irmão inseparável. Meus neurônios já não pareciam tão ativos. Não sei como não trancei as pernas.
Por bom tempo, caminhamos lado a lado com uma grande e bela romaria de Mogi das Cruzes. Mais de 60 cavaleiros e amazonas, com filhos pequenos, até bebês, charretes e carros de apoio, com direito àquela gostosa música caipira. Eram várias famílias. Lindo!
Quase mortos, atravessamos a linha do trem, pegamos a avenida sem fim e chegamos ao estacionamento da basílica por volta das 14h30. Oramos e agradecemos. Houve momentos em que me perdi ao rezar o pai nosso e chorei de emoção ao pensar nos amados netos e filhos, especialmente no caçula, o Nando.
Depois, na secretaria, carimbamos as credenciais, recebemos o certificado de peregrino do Caminho da Fé e até ganhamos o direito àquele banho deliciosamente gelado no vestiário destinado aos motoristas. Lá também há uma grande sala de descanso com espreguiçadeiras.
Banho tomado, com direito a desodorante, havaianas, bermuda e camiseta limpinhas e até cheirosas, descemos a rampa e atravessamos o estacionamento com sacrifício. O Zé menos, eu mais quebrado. Almoçamos -- a carne do churrasco foi um engodo; era horrível, dura -- e fomos para a rodoviária, malcheirosa e mal frequentada, onde, quebrado, confesso, me deitei num dos bancos.
Ônibus da Cometa deveria sair às 17h10min, mas atrasou 30 minutos por causa do trânsito intenso na via Dutra. Para fugir do nó, o motorista optou pelo caminho de Roseira. Não adiantou muito. Depois, entrou e saiu da Dutra e, por uma via lateral, ganhou um pouco de tempo até Taubaté.
Trânsito só melhorou quando se dividiu, após o acesso à Rodovia Carvalho Pinto. Até que viemos bem. Rodoviária do Tietê, metrô Ana Rosa, estação Tamanduateí, trem e, finalmente, estação de Santo André. Afinal, nada melhor do que a própria casa.
Tarefa cumprida com prazer, respeito, determinação, companheirismo, bolhas e dor. Com a cumplicidade da natureza. Com a beleza de vales, várzeas, campos e montanhas iluminadas e verdejantes.
Valeu, amigão! Parabéns e obrigado pela companhia! Agora merecemos aquele vinho especial. Sem exageros. Afinal, teremos novos desafios nas próximas décadas.
Sofri mas estou feliz! Uma vitória, uma conquista que ofereço aos meus netos Victor, Júlia e Davi.
Como dizia o poeta, "tudo (a vida) vale a pena quando a alma não é pequena. Valeu a pena! Com a graça de Deus.
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Valeu Raddi, foi um desafio e tanto, parabéns pela determinação, dinamismo e companheirismo,
ResponderExcluirUm grande abraço para você e o Zé Luís
Gilberto Luiz Machado, Curitiba
Olá, Gilberto. Não é pra qualquer um não. A gente sofre, mas vale a pena. Obrigado pela força e pelos elogios; em meu nome e no do amigo-irmão.
ResponderExcluirParabéns a você e ao Zé Luiz, vocês percorreram o trecho mais desafiador do caminho da Fé, mas com toda a certeza o mais bonito. Espero um dia partilhar uma caminhada com vocês.
ResponderExcluirabs
Valdeir Donizete da Cunha
Grande Valdeir. Obrigado pelas palavras, pelo incentivo e por todas as dicas. Um dia vamos juntos, sim. Será um prazer. Valeu!
ResponderExcluirLindo relato. Um desafio vencido com determinação e fé. Parabéns pela superação e pela conquista.
ResponderExcluirObrigado pelas palavras e pela força, minha amiga. É bom chegar perto dos 60 com direito a conquistas. Muito bom!
ResponderExcluirParabens !!
ResponderExcluirE hoje dia 06 de Junho foi um prazer lhe reencontrar
ABraços
Olá. companheiro. Obrigado pelo carinho e pelos doces. Só não sei se agradeço o Jucemar ou o Rodrigo... Valeu. O prazer foi todo nosso. Raddi
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