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quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Sobre GUIAS e guias

Há algum tempo, troquei mensagens bem interessantes com o Marcelo Delvaux,  conhecidíssimo e respeitado guia profissional de montanha. Intenção era montar  espécie de Os 10 Mandamentos do Guia de Montanha nota 10. 

Por isso mantive contato preliminar  também com vários guias, a maioria pelos quais já fui conduzido. Texto não rolou por falta de tempo de alguns para responder. Outros por esquecimento,  opção pessoal ou  até  certa má vontade. Sem problemas, entendo; continuo respeitando e grato a todos pela convivência sempre amiga, leal e profissional.

Isto posto, aqui transcrevo a resposta por escrito do Marcelo, a quem agradeço muito. Espero que o relato seja útil a guias e clientes, principalmente:

"Sobre guia, eu enfatizaria que deveria estar qualificado e possuir habilidades  requeridas para o exercício da profissão. Por exemplo, se é um guia de turismo, deveria possuir formação técnica ou superior em turismo. Se é um guia de trekking ou de montanha, deveria ter um título ou certificação correspondente.

Infelizmente, muitos guias do mercado, principalmente na área da alta montanha, não possuem a qualificação necessária para o exercício da profissão. Qualificação oferecida somente em outros países.

Inclusive, disponibilizam serviços onde essa qualificação é exigida, como no Aconcágua, por exemplo, burlando as regras desses  lugares. Isso, além de antiético, vai contra a tendência de profissionalização do mercado de aventura. 

Ter a qualificação para os serviços oferecidos é demonstrar  postura ética e de respeito para os clientes. Também são importantes as habilidades requeridas para as funções exercidas. 

Tem gente oferecendo serviços de guia de montanha que não sabe escalar, o que é incompatível com os requisitos exigidos para se conseguir certificação de guia de montanha, além de trazer insegurança para os clientes.

É fundamental que o guia esteja familiarizado com as técnicas necessárias e com o ambiente onde atua. Se oferece serviços em alta montanha, mas mora e passa a maior parte do tempo no Brasil, onde não há alta montanha, há algo de errado. 

Dando um exemplo na área de turismo convencional, se é um guia de turismo que leva clientes para a Disney, mas não fala inglês, também não está correto. 

Serviço de turismo, convencional ou de aventura, é algo especializado e um guia deveria oferecer aos clientes serviços compatíveis com suas habilidades. 

Marcelo Delvaux, o  GUIA



          

     POSTURA, ÉTICA, RESPEITO, EDUCAÇÃO...

Acho que outras características que o guia deve possuir estão bastante relacionadas com a qualificação e as habilidades requeridas: postura, ética, respeito ao cliente, paciência, educação e respeito com as populações locais, entre outras. 

Também acho que o guia deve ser alguém que detenha  amplos conhecimentos sobre a cultura, a história e as características das regiões onde trabalha, e não apenas oferecer  serviço de conduzir o cliente por roteiro específico. 

Ainda como complemento, lembro aqui algumas da competências técnicas específicas do guia de montanha: escalada em rocha ( mínimo sexto grau francês), escalada em gelo, trânsito em glaciar, trânsito em terreno alpino, resgate em gretas, autorresgate, resgate em terrenos verticais, primeiros socorros e medicina de montanha, guiada com corda curta e  guiada em terrenos verticais (rocha e gelo).

Os requisitos variam de lugar para lugar, bem com o currículo mínimo, que inclui  x montanhas acima de 6500m,  x acima de 5000m, x acima de 4000m, x graus de dificuldade D, x graus de dificuldade AD, x  graus de dificuldade PD, x invernais etc. O x depende da escola, do tipo de certificação etc. Portanto, não há um padrão para esses critérios.

Esclarecimento final: o  termo "guia de montanha" é único no mundo e inclui guiadas em montanhas como neve, gelo etc. Por isso não há diferenciação de um guia de montanha para o Brasil. 

Para o ambiente brasileiro se encaixa melhor guia de trekking ou guia de escalada para lugares que requerem  técnicas  verticais, como escalar o Pão de Açúcar, por exemplo.

Se formos usar a nomenclatura praticada no mundo, um guia de escalada que trabalha no Rio não poderia ser chamado de guia de montanha. Quando alguém diz "mountain guide" estão implícitas as competências mencionadas".




***MARCELO DELVAUX é guia profissional de montanha com título de guia  superior de montaña obtido na EPGAMT. É associado à AAGM e à AAGPM, além de credenciado no Parque Provincial Aconcágua. Pratica escalada  em rocha desde  a década de 1990 e alta montanha desde o início dos anos 2000, tendo realizado mais de 80 ascensões nos Andes e no Himalaia. É o terceiro brasileiro com mais montanhas acima de 6000m de altitude.      

  

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

PEDRA DO FRADE: BATE-E- VOLTA EM 13 HORAS

Altitude máxima: 1570m.

Ganho e perda de elevação: cerca de 1000m
.
Distância percorrida: 26km (ida e volta),

Tempo  total de percurso:  aproximadamente 13 horas ( 5h45min pra ir, uma pra curtir, e 6h15min para retornar).

Início  e fim do trekking:  1070m, margens do Rio Bonito (Brejal/Bananal/SP--Angra dos Reis/RJ).

Tipo: light/fast ( caminhar leve, com pouco peso, e rápido)


Objetivo: treinar, testar os limites, refletir e contemplar a  natureza com respeito.

Clima: céu azul na maioria do tempo, poucas nuvens no final  da tarde e temperatura média próxima de 20 graus.

Nível: difícil

Equipe: Vitor Nunes (guia), Flávio, Marcelo e Raddi.

Data: 29 de agosto de 2019.

Flávio, Raddi  e o Frade

Angra dos Reis vista do mirante 
A imponência da Pedra vista do mirante



Gruta  dos Alemães, quando a roda começa a pegar pra valer

Descanso  na gruta, último ponto de água

Um trator 6.4 nas alturas
Na descida da serra, vista do mirante




















































Isto posto, vai aqui pequeno relato da nossa  difícil aventura pelas bandas da divisa entre  os estados de São Paulo (Bananal) e Rio de Janeiro (Angra dos Reis). Por questões de praticidade e segurança, nossa ascensão foi feita partindo-se do bairro Brejal, zona rural de Bananal.

Rodamos 770 km ao todo. Saímos de Santo André na quarta-feira à tarde,  pegamos o Vitor em Resende, passamos por Barra Mansa e atravessamos a histórica Bananal para depois subir a serra. Curvas sem fim, com cotovelos carregados de emoção e certo enjoo (eu).

Ficamos no hostel/pousada Brejal,  do Carlinhos e da Estefânia,  bom papo, sempre  simpáticos e dispostos a bem servir. Tudo simples, limpo e aconchegante.  Chuveiro quente e refeição boa, com destaque para a truta com alcaparra e/ou pinhão. Ótimo café da manhã --  na quinta excepcionalmente servido às 5h15min e na sexta às 8h. Preço justo.

Pra facilitar e caminhar menos, na quinta fomos com o  jovem carioca  Marcelo,  de Jimny 4x4 ( sim, coube!), até a beirada do Rio Bonito. Após uma ponte,  quatro porteiras e alguma  lama, estacionamos, ouvimos a orientações do Vitor, alongamos e partimos por volta das 6h15min.

Daí foram quase seis horas de pauleira, a começar pela travessia do rio. Água pelos joelhos, botas nas mãos... um belo batismo. Descampado, mata, descampado, mata, outro descampado (de onde se avista a Pedra do Frade bem longe),  inúmeros charcos e muita lama.

No trajeto a lama na trilha só  reduz pouco antes da Gruta dos Alemães, o último  de muitos pontos de água. Antes disso, o riacho Goiabeira e alguns córregos. Antes também trilhas enlameadas, piso agravado pelo pisotear de animais utilizados na extração ilegal de palmito. É de  dar dó!  Desmatamento latente. Fiscalização zero! Pobre natureza!


                                          GRUTA, MIRANTE E  PEDRA...  NO LIMITE!


Se antes da gruta o piso judia  mas o relevo favorece porque não existem ladeiras e subidas significativas, depois a roda pega viu. E como!  A coisa fica preta! Dos 1150m até o 1570m, no cume,  passando pelos  cerca de 1350m do mirante, não tem almoço de graça. Sofrimento e dor.

Sobra ganho de elevação. Falta perna; falta fôlego. Felizmente também sobra sombra, já que 80% da trilha são percorridos dentro da mata. Parada no belo  mirante serve não só para fotografar a  pedra maior e todo o entorno de Angra como para descansar por uns 15 minutos antes de "atacar" o Frade.

Conclusão da primeira metade da aventura é por trilha mais técnica, com   enrosca-bambuzinhos, trepa-pedras, agarra- raízes e  até momentos de Indiana Jones utilizando cordas e escadinhas (madeira encordoada) em  inclinações pesadas.

Escalaminhadas finais devem ser feitas com extremo cuidado, muita atenção e firmeza a  cada passo ou pegada manual  por se tratar de lugares expostos. Perigo  constante, iminente. Faz parte. Passamos com louvor... e certo medo, pra dizer a verdade.

Confesso que nos 10 minutos finais, quando todos já haviam chegado,  o  sessentão aqui ficou com a pulga atrás da orelha, pensando como seria um resgate de helicóptero. Senti forte fisgada na coxa esquerda  e precisei subir meio na judiaria, quase me arrastando. Ninguém  viu! Quando o  flamenguista Vitor perguntou se estava tudo bem eu respondi que sim.

Cheguei no limite, mas valeu a pena. Muito!.  Um visual maravilhoso. Uma conquista memorável! Uma imagem inesquecível. Angra, Ilha Grande e Paraty  banhadas pelo mar carioca. Do outro lado,   a Serra da Bocaina, um mar de montanhas paulistas.

Cumprimentos, muitas fotos e  alongamento durante o descanso físico, mental, contemplativo e recreio alimentar. Além de orações agradecendo e pedindo proteção ao Papai do Céu.  Spray milagroso do Vitor  também ajudou e, felizmente, pude perceber,  preliminarmente, que a fisgada não era estiramento e sim cãibra. Por isso a  hidratação foi fundamental.


                                                 É HORA DE  VOLTAR. INTEIROS!






Raddão e o Frade

"Vai Marcelo, sobe" --  Vitor
Tudo vale a pena quando a alma não é pequena

 Flávio e o merecido cumprimento do Vitor 

Guerreiros do Frade ......rsrs

Marcelo, Flávio, Vitor e Raddi iniciando o retorno, sem chororô










Doi no coração e no fundo da alma; parece que um vazio toma conta do seu corpo, da sua mente. Mas é preciso voltar. É preciso superar o cansaço físico e mental e  descer as escadinhas,  as cordas, as ladeiras,  as pedras,  superar a lama, o charco, o rio... tudo de novo, no sentido inverso. A segunda perna do trekking  também é desgastante quando falamos de bate-e-volta. Psicológico precisa ser forte. Né Vitão?

Programamos, mesmo sem tanta rigidez,  estar de volta ao conforto do Jimny antes do anoitecer. Saimos do topo do Frade pouco depois das 13h.  Com autorização do grande guia, fui um pouco mais à frente pra testar aquela dor  na coxa. Superei os obstáculos com alguma categoria, sem medo e sem dor

Em menos de meia hora eu  estava  no pé da Pedra do Frade à espera dos meus amigos. Só lamentei quando  fiquei sabendo que o Flávio havia torcido o joelho numa das escadas encordadas e estava caminhando com dificuldade.

Acontece com qualquer um. Inclusive com guerreiros do Frade.  Tudo está bem e, de repente... Por isso voltamos mais devagar, com extremo cuidado. Por isso não teve como chegar ao destino ainda sob a luz do dia.

De um total de 6h15min, foram cerca de duas horas  no escuro, com lanterna de cabeça. Imagina a cena naquela escuridão,   vez por outra procurando o caminho pelo GPS, pisando na lama, na bosta de cavalo,  na água.  Por isso o Fávio foi guerreiro . Determinação e resiliência nota 10. Merece aplausos ( Uma trilha difícil, com muitas bifurcações. Sem guia é bem fácil se perder. Chame o Vitor.  Patamar de gente grande).

Chegamos no rio Bonito antes das 19h30min. Atravessamos brincando , encharcados mas extremamente felizes, radiantes. Ainda bem. O Marcelo que o diga. Cá entre nós, só conto pra torcida do Coríntians: o  botafoguense estava com medo do escuro.

Na pousada,  banhos tomados, Flávio cuidado, nada melhor do que aquela truta feita  com esmero. Pra acompanhar, cerveja, vinho e até uma caipirinha de limão cavalo com mel que eu mesmo fiz. Afinal, nós merecemos. No dia seguinte, um retorno sem transtornos.

Obrigado Flávio! Obrigado Marcelo! Obrigado Vitor! Obrigado meu Deus por nos abençoar e proteger.




Início  da grande jornada











Flávio, o esforço de um guerreiro