Seguidores

segunda-feira, 3 de outubro de 2022

ÉDER JOFRE, O ÚLTIMO NOCAUTE

 

Ao lado de Mohamad Ali, no cinturão do hall da fama

Mais um ídolo se foi.  Éder Jofre, a lenda. O Galo de Ouro, um dos 10 maiores pugilistas  mundiais de todos os tempos, e dono de jabs perfeitos e diretos, uppers e cruzados demolidores,   foi nocauteado pela pneumonia, por complicações renais e pela demência pugilística,   a maldita encefalopatia traumática crônica. 


Não contive as lágrimas. Éder foi o Pelé do boxe. Aos 86 anos, foi-se mais um ícone do esporte,  contemporâneo  também dos dribles  desconcertantes de Garrincha, dos saltos voadores    do triplista Ademar Ferreira da Silva e dos backhands inesquecíveis da  tenista Maria Ester Bueno.


Um direto de esquerda demolidor

-- Bom dia, dona Marta. Tudo bem? A senhora sabe que não gosto muito de estudar, de ler essas coisas difíceis -- Machado de Assis, José  de Alencar, Jorge Amado, Euclides da Cunha e cia. Meu negócio é jogar bola descalço e bater figurinha  com a molecada da avenida. Inclusive com o Badyzinho,  seu filho. Boa gente, mas  um perna-de-pau de mão cheia  (Rsrs).  Então...mas eu queria ler o livro Galo de Ouro,    sobre a vida do Éder Jofre. Tem aqui na biblioteca da escola?


-- Menino, menino...aqui  no Euclides ( Gymnasio Estadual) tem de tudo. Até nosso campeão. Espera aí. Está ali no alto. Como sou baixinha, preciso da escada...Pronto,  divirta-se. Sem fazer orelha no livro, hein! Sente-se ali perto da janela. Tem mais claridade e o  apoio de madeira para o livro ficar inclinado na mesa ainda não  quebrou. Ainda...porque vocês adolescentes são levados demais, viu? Ah,  sem conversar alto! Sou meio surda, mas os outros ouvem até demais.

Salvo qualquer engano da minha parte, estávamos em 1969. Eu tinha 14 anos e cursava a 4a série ginasial na saudosa São José do Rio Pardo. Foi minha primeira leitura por iniciativa própria. E olha no que deu; virei jornalista e adoro ler de tudo. 


Devorei o livro romantizado sobre uma máquina de  aplicar um arsenal de  golpes.  Os jabs rápidos pareciam diretos. Os ganchos  de esquerda eram fatais.  Direita, esquerda, direita...e o machado batia pra valer. Um pequeno gigante, forte como um touro. Um lenhador de 60kg exímio também na arte de bailar. O ringue virava palco... bater, sair,  se esquivar, voltar, encaixar as mãos pesadas no baço,  no fígado ou na ponta do queixo e nocautear. 


A  essência da nobre arte. Um boxe que,  de tão técnico e bonito, parecia fazer passar despercebida uma violência escamoteada, mas duramente perpetrada a cada golpe, a cada gota de sangue. Especialmente na cabeça. Por isso fez tantas vítimas.


Nem levei o livro de Henrique Mateucci  editado em 1962 pra casa. Pra quê? Ia atrapalhar meu futebol, meus peões, minhas pipas,  bolinhas de vidro e até meu estilingue. Não ia dar certo. Até porque, minha mãe, dona Jandyra, costureira de mão cheia, não ia acreditar. A agulha ia espetar seus dedos calejados, vez por outra sem a proteção  providencial do dedal.


Assim,  se intensificou minha idolatria pelo gênio Eder Jofre, filho de uma família de pugilistas mas que queria mesmo era ser desenhista ou jogador de futebol. Eu,  já um corintiano  meio enrustido -- ou seria um santista fanático  apenas por Pelé? -- endeusando um são-paulino de quatro costados. Não sei!  Dúvidas de adolescente. Portanto,  perdoáveis.


Pois é...hoje o caipira-raiz quase setentão está aqui, com  lágrimas nos olhos, tentando entender por que nossos  ídolos não são eternos. Ademar,  Maria  Esther, Garrincha, Ayrton Senna,  Éder  e um dia Pelé,   Rivellino,  Wlamir Marques, Oscar...


Vítima  de golpes  sequenciais no crânio -- mais uma,  como o insuperável Mohamad Ali e o nosso folclórico campeão Maguila -- Eder Jofre estava internado com pneumonia, mas já carregava a demência progressiva há alguns anos.


MEDELL, SANCHES, HARADA,  LEGRÁ  E ATÉ NELSON GONÇALVES

Não é à toa que o nosso " imortal" Galinho de Ouro tricampeão mundial está no Hall da Fama  do Boxe e é considerado um dos 10 maiores da história. O cartel de Eder Jofre é fantástico. Em 12 anos de carreira, com um hiato de três anos após nova derrota no Japão, em 81 lutas,   o  nosso punho de aço teve 50 vitórias por nocaute.  Os mexicanos Joe Medell e Eloy Sanches sentiram sua força e terminaram na lona, assim como o irlandês John  Cadwell, em 1962,  na unificação dos títulos europeu e mundial  pelo Conselho Mundial de Boxe. 


 Foram  25  vitórias por pontos,  quatro empates e apenas duas derrotas. Acreditem, só duas,  ambas do outro lado do mundo, quando colocou o cinturão em jogo  diante do japonês Masahico Fighting Harada. Lembro-me da primeira, em Nagoia,   dia 18 de maio de 1965.


Em 15 rounds,  o nosso Eder bateu muito e apanhou pouco, mas, em decisão dividida  os jurados  deram vitória ao nipônico. Eder morreu  contestando o resultado. 

Naquela manhã, o Brasil parou para ouvir a voz emocionante do rádio. Parou, reclamou e chorou. Eu também. A 20 dias de completar 10 anos, este, então menino, de calças curtas, ouviu tudo pelo radinho de pilha  -- se não me engano   rádio Bandeirantes     na voz de Flavio Araújo -- sentado num banquinho de palha, ao lado seu Valdemar Sernaglia, o vizinho sapateiro, palmeirense doente, juiz de futebol e ocasionalmente técnico do meu Benjamin FC nos finais de semana -- quando não saía corrido dos campos de várzea e chegava de carona com o "Corintinha", fusca preto e branco da Polícia  (rsrs).


Outra lembrança do vizinho sapateiro: foi ele quem fez, à mão,  minha primeira chuteira. Couro puro. Inclusive os seis cravos; quatro na frente e dois no calcanhar. Foi quando este velho zagueiro aprendeu a bater, a chegar junto nos atacantes.


 Chuteirinha estreou num treino dominical com Roque Gervásio, na Associação Atlética Riopardense. Saí da reserva e entrei no meio-campo.  E não é que fiz um gol de fora da área? Um frangasso do  Nino  no gol das piscinas. Deficiente físico, ele deu dois pulinhos antes de saltar  atrasado. Dá pra esquecer?

 

Voltemos à narração. A cada direto de Eder, o locutor ia à loucura e previa mais um nocaute.  Mas Harada abusava dos clinches, se agarrava para parar a luta. Nós  vibrávamos,  gritávamos. Por parte dele, sairam muitos palavrões quando se anunciou a vitória de Harada.  Foi quando atravessei a rua e entrei em casa chorando. Uma manhã triste pra mim e para o povo brasileiro. Só não foi pior porque os marimbondos não desceram quando bati a enorme e velha porta da rua.

 

A revanche veio um ano depois, em Toquio,  e Harada voltou a vencer por pontos,  agora em decisão unânime  jamais confrontada. Acostumado a vencer, Éder resolveu descansar por três anos, quando fez até lutas-exibições em circos.  Numa dessas apresentações, em 1967,  no Ibirapuera,   enfrentou o inesquecível cantor Nelson Gonçalves -- ..."naquela mesa tá faltando ele, e a saudade dele tá doendo em mim"  -- seu amigo, que chegou a ser  boxeador,  mas desistiu por causa das drogas.


Em vez de  soltar aquele vozeirão, Nersão cansou de apanhar. Porém, a luta terminou sem vencedor declarado, com o cantor, abraçado ao amigo,  declamando parte da música Castigo,   do compositor Lupicinio Rodrigues: " Homem que é homem faz qual o cedro, que perfuma o machado que o derrubou". 


Ainda em forma, o bailarino voltou aos ringues em 69,   para depois disputar o título,  agora dos penas, em 1973. Em Brasília, um combate eletrizante e equilibrado com o campeão  José Legrá,  cubano naturalizado espanhol. 

Assisti pela tv Tupi à  nova conquista  do Galinho. Narração de Walter Abraão. Tudo em preto e branco. De novo campeão ( ganhou por pontos) Eder Jofre, dono de um humor fino, cortante,   piadista nato, só encerrou carreira em 76.


"O negrão era bom mesmo. O maior peso pena que enfrentei.  Me bateu. Acertou minha cabeça. Segurei nas cordas pra não cair. Não caí. Foi o chão que subiu" -- brinca Éder rindo  muito da situação.


Só não riu tanto como político. Famoso,  após encerrar a carreira,   foi eleito vereador por quatro mandatos em São Paulo. Sem tanto sucesso. Meio esquerdista   ali  ele não cantou de galo, não! Mesmo porque, no galinheiro da Câmara jamais faltarão raposas.


Perder por nocaute? Nem pensar. Mas faltou pouco contra Joe Medell. " Talvez minha luta mais difícil. Foi antes de ganhar o cinturão contra o Eloy Sanches.  Eu estava perdendo, com o nariz sangrando muito, e falei pro meu pai, meu treinador  que  não aguentaria voltar pro último round. Ele me disse que o Mendell estava morto. Aí voltei e o nocauteei com uma bela sequência de diretos de esquerda e direita. Graças ao meu pai". (rsrs)


Nunca um juiz abriu contagem para Eder Jofre. Nunca  o grande Eder beijou a lona. No ringue de boxe,  nunca perdeu por nocaute.  Mas neste domingo de eleições Eder Jofre   sofreu seu primeiro e único nocaute.  Sem a chance de  ao menos um uppercut de esquerda certeiro como contragolpe no queixo do destino. Uma esquiva impossível. Um bailado sem música. Um adeus sem volta. Um último nocaute.

Protagonista de uma linda história, o desenhista piadista  virou livro. Virou filme -- 10 Segundos para Vencer! Virou lenda! Valeu, eterno campeão!  Obrigado.










terça-feira, 27 de setembro de 2022

HUAYNA POTOSI/ACOTANGO: O LIMITE E A CONQUISTA

O amigo Flávio Lo Giudice no cume do Acotango, 6052M



 AVENTURA  DE 10 DIAS PELAS MONTANHAS  DE GRANDE ALTITUDE DA BOLIVIA FOI TÃO INTENSA, INESQUECÍVEL E GRATIFICANTE QUE NEM SEI POR ONDE COMEÇAR. ENTÃO, MELHOR COMEÇAR PELO COMEÇO. PELA CONQUISTA DO  ACOTANGO. OU SERIA MELHOR PELO FIM?   PELO LIMITE IMPOSTO PELA DUREZA DO BRUTO, O NEVADO HUAYNA POTOSI. NA CEREJA DO BOLO,   UM AMBIENTE TÃO ILUMINADO E  BELO QUANTO  DESAFIADOR,  GÉLIDO E HOSTIL. 

QUER SABER? NADA DISSO. COMECEMOS PELA "TURBULÊNCIA" DA VIAGEM PELA BOA, QUE, DE BOA, NÃO TEM NADA .










PÔR DO SOL NO PARINACOTA, AO LADO DE SUA IRMÃ GÊMEA




NA VOLTA DO HUAYNA POTOSI, UM DESCANSO PROVIDENCIAL







TERMAS, COM RIO E PISCINA NATURAL. ÁGUA QUENTINHA


FALTA POUCO!!! RSRS... MAS PRA MIM NÃO DEU




CAMINHEI MAIS UNS 20M E FIQUEI SENTADO NO GELO, BEM ONDE FLAVIO FIXA OS STICKS.



BRAVO!!! A CONQUISTA  DO ACOTANGO, COM O PARINACOTA AO FUNDO



SÓ FALTAVAM DUAS "CORCOVAS", UMA ETERNIDADE









JOSÉ, NOSSO GUIA DA  AGÊNCIA BOLIVIAN MOUNTANEERING


AO NASCER DO SOL, RUMO AO CUME DO ACOTANGO



ISTO POSTO, VAMOS AO QUE INTERESSA. SEM MUITAS DELONGAS. VIAJAMOS PARA LA PAZ NO DIA 13  DE SETEMBRO E RETORNAMOS NO DIA 22. EMBARQUE PELA BOA -  BOLIVIAN DE AVIACION - EM GUARULHOS ATRASOU UMA HORA, O QUE NOS CUSTOU MAIS CINCO HORAS  INTERMINÁVEIS PERDIDAS EM SANTA CRUZ DE LA SIERRA, CONEXÃO PRA LA PAZ. MORAL DA HISTÓRIA: EU E O AMIGO FLAVIO  LO GIUDICE SÓ CHEGAMOS À POSADA DE LA ARBOELA ( DA VOVÓ)  POR VOLTA DA MEIA-NOITE.  A BOA NÃO FOI UMA BOA. LAMENTAVEL!

NO DIA SEGUINTE, QUARTA-FEIRA, ÀS 10H, PARTIMOS PARA O PRIMEIRO DESAFIO DE ACLIMATAÇÃO, SABIDAMENTE JÁ COMPROMETIDA PELA LIMITAÇÃO TEMPORAL. DE VAN -LIQUIDIFICADOR, POR DUAS HORAS,   COM DIREITO A MUITA SUJEIRA POR DESCARTE DE LIXO, FOMOS ATÉ A BASE DO CHACALTAYA, ANTIGA ESTAÇÃO DE ESQUI,  CUJO CUME ESTÁ A 5435M DE ALTITUDE.

ASCENSÃO  CANSATIVA DE  APENAS 120M DE GANHO DE ELEVAÇÃO E  NADA SUPERIOR A 400M DE EXTENSÃO. MAS FALTOU OXIGÊNIO E A SATURAÇÃO FICOU INFERIOR A 90%.  NÃO ACUSEI NADA MAIS.  O FLAVIO NÃO SE SENTIU TÃO BEM, MAS CONCLUIMOS QUE FOI MAIS PELO SACOLEJAR DA VAN DO QUE PELA ALTITUDE. AFINAL, UM DIA ANTES SAIMOS DE 760M EM SANTO ANDRÉ, PARA 4025M NO AEROPORTO DE LA PAZ E 3600 NA PRÓPRIA CIDADE,  LÁ EMBAIXO, NO BURACO. POR SINAL, BEM FEIA, VIU?    SÓ MORRO. SEM HIGIENE, SEM COR, SEM REBOCO E SEM PINTURA. CAMELÔS AOS BORBOTÕES, PRA TODO LADO. RUAS ESTREITAS  E UM TRÂNSITO CAÓTICO, COM PREDOMINÂNCIA MASSACRANTE DE VANS. EM COMPENSAÇÃO, EMOLDURADA PELA BELEZA, ENTRE OUTROS NEVADOS ANDINOS, DO HUAYNA POTOSI E DO  GRANDE ILLIMANI, ÍCONES DA CORDILHEIRA REAL.


 SAJAMA,  ACOTANGO, PARINACOTA...


NA QUINTA FEIRA  -- AO SOM DE UMA  ÓTIMA PLAYLIST  DO FLAVIO QUE INCLUIA  ZECA PAGODINHO, MARTINHO DA VILA,  ELIS REGINA,  ROBERTO CARLOS, LEONARDO, BETH CARVALHO, MARISA MONTE, CHITÃOZINHO E XORORÓ, ALMIR SATER, SERGIO REIS E CIA  -- VIAJAMOS POR 4 HORAS, CERCA DE 300KM ATÉ O PUEBLO DE SAJAMA, POVOADO AOS PÉS DO   LINDO NEVADO SAJAMA, O MAIOR DA BOLIVIA COM 6545M, JÁ DENTRO DO PARQUE NACIONAL SAJAMA.  VIAGEM COM MUITA MÚSICA E IGUAL NUMERO DE REBANHOS DE OVELHAS,  LHAMAS E ALPACAS. PORÉM, QUASE NADA DE ÁRVORES E ÁGUA NOS RIOS. SÓ VEGETAÇÃO RASTEIRA. DESÉRTICO.  CHOCANTE!

JÁ NO  DIA SEGUINTE, ACORDAMOS POR VOLTA DAS 2H30MIN DA MADRUGADA. FEITO O DESJEJUM,   SEMPRE ENCABEÇADO  PELO FAMOSO CHÁ DE COCA E POR MUITA,  MUITA ÁGUA,   MAIS CERCA DE DUAS HORAS DE 4X4 ATÉ A BASE DO ACOTANGO, PERTINHO DO PARINACOTA (6342M)  JÁ NA FRONTEIRA COM O CHILE.

COM O TERMÔMETRO MARCANDO -6°, NOSSA PRIMEIRA AVENTURA COMEÇOU DE FATO POR VOLTA DAS 5H E TERMINOU ÀS 13H30MIN.  NO INÍCIO, NA COTA DE 5400M,  JÁ SUBINDO, DEU PRA PERCEBER QUE CONQUISTAR O 6MIL "MAIS FÁCIL"   ( KKKKKKK) DA BOLIVIA SERIA  UMA PEDREIRA.

AO PASSO, DEVAGAR, DEVAGARINHO, LÁ VAMOS NÓS. POR ENQUANTO, TERRA, AREIA, PEDRISCOS E PEDRAS LADEADOS POR NEVE E GELO. APÓS TRÊS HORAS DE CAMINHADA, DEI OS PRIMEIROS SINAIS DE CANSAÇO.  FELIZMENTE  NADA DE DORES LOMBARES, NO OMBRO LESIONADO OU NA PANTURRILHA. TAMPOUCO MAL DE ALTITUDE. FALTOU MESMO FOI CAIXA PULMONAR. TREINAMENTO  AERÓBICO INSUFICIENTE,  NÉ PROFESSOR RADDI?  

AMEACEI PARAR  NO FINALZINHO DO PRIMEIRO    SUBIDÃO MAIS PESADO, MAS  O GUIA JOSÉ CARREGOU MINHA MOCHILA E O FLAVIO SE ENCARREGOU DOS MEUS CRAMPONS.  LIVRE DE UNS 4KG, CHEGUEI AO DESCANSO PROGRAMADO,  COMI, ME HIDRATEI BEM  E GANHEI MOTIVAÇÃO  EXTRA PRA CONTINUAR.


A CONQUISTA E O  MEU LIMITE


POUCO DEPOIS,   JA NA PRIMEIRA CRISTA GELADA,   CHEGOU A HORA DE COLOCAR OS CRAMPONS  -- SEM EXPERIÊNCIA SUFICIENTE  E FADADOS A QUEDAS FATAIS -- E ENFRENTAR A NEVE E OS PENITENTES, ESPÉCIES DE ESTALAGMITES. IMAGINE CAMINHAR QUEBRANDO OU SE DESVIANDO DE "CONES" DE GELO. PQP! COISA DE MALUCOS.

APÓS SUPERAR PELO MENOS  TRÊS CRISTAS  MUITO EXPOSTAS, ONDE CAIR SERIA FATAL, CHEGAMOS A 5950M.  NUM PEQUENO PLATÔ. FOI AÍ QUE, CANSADO E COM  INDISFARSÁVEL MEDO  DO PERIGO, OLHEI PRA CIMA, PRA TRÁS E DECIDI:  POR SEGURANÇA NA VOLTA, PRA MIM DEU.

MEU AMIGO FLÁVIO CONTINOU  POR MAIS  UNS 90 MINUTOS E FEZ O CUME  ( 6052M) AO LADO  DO GUIA.   VIBROU COM A BELA CONQUISTA E SE EMOCIONOU  BASTANTE -- FOI NA RAÇA --,  ENQUANTO O RADDÃO FICOU POR UM TEMPO SENTADO, QUIETINHO, CONGELANDO, MEIO PROTEGIDO DO VENTO, NUMA ESPECIE DE POLTRONA DE GELO À FRENTE DE PENITENTES E RIBANCEIRAS NO ENTORNO.

COCHILANDO  DE SONO E COM MEDO DE MORRER CONGELADO --   ME LEMBREI DO LIVRO  " DEIXADO PARA MORRER", SOBRE A MAIOR TRAGÉDIA DO EVEREST --,  PENSEI, REFLETI  BEM E NÃO TIVE DÚVIDAS; PEGUEI OS STICKS E COMECEI A VOLTAR. ERREI AO DESOBEDECER O GUIA, MAS ERA PRECISO DECIDIR.

CORRI MAIS RISCOS NAS CRISTAS, MAS DEU TUDO CERTO.   AO REENCONTRÁ-LOS   FALEI COISAS DESCONEXAS, SEGUNDO O FLAVIO. PEDI DESCULPAS AO GUIA E PARABENIZEI MEU AMIGO. TIRAMOS OS CRAMPONS E DESCEMOS PELO TERRENO ARENOSO COMO SE FOSSE ESQUI.  UM MARTIRIO PRA SUBIR; BRINCADEIRA DE CRIANÇA PRA DESCER ATE O CARRO.

CONFESSO CERTA FRUSTRAÇÃO POR NÃO  TER FEITO O CUME AO LADO DO FLAVIO, MAS FOI APENAS UM MACHUCADINHO. NEM SANGROU. ADMINISTREI BEM.   AFINAL,  A VIDA  SÓ TEM GRAÇA PORQUE É FEITA DE VITÓRIAS E DERROTAS. FOI MAIS SENSATO PARAR ANTES DE POTENCIALIZAR RISCOS CALCULADOS, MAS DESNECESSÁRIOS. QUESTÃO DE CONSCIÊNCIA INDIVIDUAL. PENSEI NA VIDA E NO  ALTO RISCO DE MORTE. ACERTEI NA ESCOLHA. TALVEZ ALGUNS NÃO ENTENDAM -- POXA, FALTAVA TÃO POUCO --, MAS, APESAR DE ADORAR A NATUREZA,   MINHAS PAIXÕES ESTÃO AQUI.


MONTECIELO, SAJAMA, TERMAS E CERVEJA


NO DIA SEGUINTE, FOLGA DA CIA. FIZEMOS APENAS ACLIMATAÇÃO NO MONTECIELO, 4550M, COM GANHO DE ELEVAÇÃO DE 300M. DEPOIS,  FOMOS DE CARRO ATÉ AS TERMAS, RIO  E PISCINA NATURAL COM ÁGUA QUENTINHA E CERVEJA GELADA. UAU!!! DELICIA!

 PROGRAMAÇÃO PARA DOMINGO ERA TENTAR FAZER O PARINACOTA. MAS PREFERIMOS CANCELAR E NOS ACLIMATAR MELHOR PARA O HUAYNA POTOSI, SEGUINDO SUGESTÃO DO MAXIMO KAUSCH, UM DOS ICONES DO MONTANHISMO MUNDIAL,  E A QUEM AGRADEÇO PELOS ALERTAS E CONSELHOS.    ELE DISSE QUE SERIA INSANO.  E FOI. MAS TREINAMOS. FOMOS UM POUCO ALEM DO CAMPO BASE DO SAJAMA. GANHO DE ELEVAÇÃO DE 500M. NA VOLTA, DE NOVO NAS TERMAS.  COM DIREITO A BANHO QUENTE. AFINAL, NINGUÉM É DE FERRO!


PRA CIMA DO BRUTO


APÓS QUATRO  DIAS DE SAJAMA, NA POUSADA DO TAMBÉM GUIA MARIO E AO LADO DE JOVENS DA ITALIA, DA FRANÇA E  DA REPUBLICA TCHECA, DE NOVO TROCAMOS A  CORDILHEIRA OCIDENTAL PELA REAL,  NO ENTORNO DE LA PAZ. 

DIA 19,  VOLTAMOS PELOS MESMO 300KM DA ESTRADA BOLIVIA 4, QUE NO SENTIDO CONTRARIO LEVA AO CHILE. COMO A BOLIVIA NÃO TEM ACESSO POR MAR, MAIS DE 80% DAS  IMPORTAÇÕES ENTRAM   VIA CARRETAS.

POR VOLTA DAS 14H, CHEGAMOS À POUSADA DA RUA LINARES, POINT DO ARTESANATO LOCAL. ESPECIE DE CALÇADÃO QUE VENDE DE TUDO,  DESDE CHAVEIRINHOS E COPINHOS ATÉ BLUSAS E CHALES DE ALPACA 100%. ENFIM, BANHO QUENTE MESMO -- NA POUSADA/CASA DE FAMILIA  SIMPLES DE SAJAMA NÃO DAVA CORAGEM NÉ MEU AMIGO?  -- E CAMA  AGORA SEM NECESSIDADE DE CINCO COBERTORES GROSSOS PRA ENFRENTAR O FRIO.

AH, DETALHE ASSUSTADOR: SÓ PRA PUXAR OS COBERTORES PESADOS A PULSAÇÃO AUMENTAVA E A SATURAÇÃO/OXIGENAÇÃO CAIA PRA 84%/88%.  NORMAL NAS GRANDES ALTITUDES. EM CASA DÁ 98%.

DESCANSADOS, SEM PROBLEMAS DE ACLIMATAÇÃO E MOTIVADOS PELAS PERFORMANCES NOS TREINAMENTOS DE SAJAMA, NO DIA SEGUINTE PARTIMOS  LOGO DE MANHÃ PARA O ACAMPAMENTO BASE DO BRUTO. PREVENIDOS PELO MAL-ESTAR QUE NOS ABALOU QUANDO PEGAMOS  QUASE O MESMO CAMINHO PARA CHACALTAYA, TOMAMOS DRAMIN E PLASIL. BINGO! 2 X 0 PRA NOS CONTRA A VAN.





COM O PERDÃO DO TROCADILHO, PAGAMOS PENITÊNCIAS NOS PENITENTES. MINHA NOSSA!  ATENÇÃO NO FĹAVIO!


CHEGAMOS  NO ACAMPAMENTO BASE DO BRUTO -- 4700M --, DESCANSAMOS UMA HORA E JA PARTIMOS   CÉLERES E FIRMES PRO ACAMPAMENTO ALTO. AGORA COM A MOCHILA MAIS PESADA POR CAUSA DOS MITTONS (AQUELAS LUVAS GRANDES E GROSSAS SEM DEDOS) E DOS SACOS DE DORMIR.  FORAM MAIS DE DUAS HORAS PARA SUPERAR 500M DE DESNIVEL, NUM TREPA PEDRAS SEM FIM. FICAMOS NO ACAMPAMENTO ALTO 3, A 5200M DE ALTITUDE, JA QUE O 1 ESTAVA FECHADO E NINGUEM LEVOU CHAVE. QUE "LEGAL"!


O "MOLHA-PEDRA" E O  RECEIO DE O REFÚGIO VOAR  


LÁ NO ALTO, PEDRA, GELO, NEVE, FRIO E VENTO. NO REFUGIO APERTADO, NÃO PARAVA DE CHEGAR GENTE DE TODO CANTO DO MUNDO. ATE A NOITE, ÉRAMOS UNS 15.   APENAS DUAS MULHERES.  DOIS  BRASILEIROS TEIMOSOS E CORAJOSOS  -- AO MENOS POR ENQUANTO, RSRS  --,  QUATRO INGLESES,  CINCO ALEMÃES, UM COLOMBIANO,  DOIS POLICIAIS BOLIVIANOS...HAVIA AINDA UM QUARTINHO PARA OS GUIAS E UMA COZINHA. MAS NOSSA MESA FICAVA NO REFUGIO/DORMITORIO MAIOR.

DETALHE: QUANDO CHEGAMOS FOMOS RECEPCIONADOS PELO PROPRIETÁRIO/GUIA COM UM SORRISÃO E A FRASE: "BRASIL. PALMEIRAS". PQP! O MESMO NOME E PALMEIRENSE COMO MEU NETO, TAMBÉM VICTOR, COM QUEM, CONFORME PROMETIDO,  VOU COLAR E BATER FIGURINHA NA PRÓXIMA SEMANA. GRAÇAS A  DEUS!

VOLTEMOS AO BRUTO. JANTAMOS POR VOLTA DAS 18H. UM CALDO E UM MACARRÃOZINHO BEM CHINFRINS. NÃO DESCEU BEM. TANTO QUE PRECISEI IR AO BANHEIRO, A UNS 20M, FAZER O N2. BEM DESCONFORTÁVEL. ANTES DAS 19H30MIN17SEG, TODOS ANINHADOS NOS SACOS DE DORMIR -10°. UM SILÊNCIO SEPULCRAL.   TENSÃO NO AR. ADRENALINA A MIL. AFINAL, TODOS DEVERIAM ACORDAR À MEIA-NOITE E SE APRONTAR PRA SAIR COM O RESPECTIVO GUIA.

SÓ QUE..DORMIR COMO? TODO MUNDO QUIETO, MAS NINGUÉM DORMINDO. PELO MENOS EU E O FLAVIO. ALEM DA ADRENALINA E DO FRIO, UM VENTO CORTANTE, ENSURDECEDOR.   UM TERROR. A CADA MINUTO, NO MÁXIMO 2, UMA RAJADA ASSUSTADORA FAZIA O REFUGIO BALANÇAR. JURO QUE FIQUEI DE NOVO COM MEDO DE MORRER E REZEI SEM PARAR. PAPAI DO CÉU, #QUIQUIEUTOFAZENOAQUI?". DEITADO NUM COLCHÃO COLADO NUM CANTO,  JUNTO À "PAREDE" DE LATA REVESTIDA DE PANO GROSSO, ESPEREI A HORA CHEGAR. CALMA!  HORA DE SAIR,  NÃO DE PARTIR!  ANTES DISSO,  UM ENTRA-E-SAI DANADO. UM "MOLHA-PEDRA" SEM FIM. PARECIA PROCISSÃO.  POR DUAS VEZES, OUSEI  ENFRENTAR AQUELE VENTO GELADO PRA VER UM CÉU LINDAMENTE ESTRELADO. CONFESSO: NÃO FUI AO BANHEIRO. FIZ O SERVIÇO A TRÊS PASSOS DA PORTA.


CHEGOU A HORA. A CUÍCA VAI RONCAR 

ACORDO À MEIA-NOITE COM O JOSE ENTRANDO NO REFUGIO E CHAMANDO. JUSTO QUANDO CONSEGUI PEGAR NO SONO. ABRO OS OLHOS ASSUSTADO E SAIO DO SACO COM O ZIPER TRAVADO. É GENTE PRA TODO LADO, A MAIORIA DE UNIFORME VERMELHO, ESBARRANDO UM NO OUTRO.  MAS NADA A VER COM O INFERNO. OU SERIA? RSRS. TIVE DIFICULDADE PRA CALÇAR AS DUAS MEIAS E  A BOTA DUPLA.  INACREDITÁVEL!  ATÉ PERDI O FÔLEGO. DEPOIS, TRÊS CALÇAS E  AS QUATRO CAMADAS SUPERIORES, COM DIREITO A DUAS LUVAS, CADEIRINHA,   GORRO, LANTERNA E ATÉ O CAPACETE.   

TUDO PRONTO.  COM DIREITO A STICKS E PIOLET.  UMA DA MADRUGA. PARTIU HUAYNA POTOSI! TODOS ENCORDADOS,  A CAMINHO DO PARAÍSO (?). APOS UNS 300M, HORA DE COLOCAR OS CRAMPONS ( ARMAÇÃO DE FERRO ENCAIXADA SOB A BOTA PARA FACILITAR E DAR SEGURANÇA NA CAMINHADA NO GELO/NEVE). EM SEGUIDA,  UMA FILA INDIANA A PERDER DE VISTA. UMA BELA IMAGEM, DIGA-SE. COM AS LUZES DE LA PAZ LÁ LONGE, AO FUNDO.

NAQUELA ESCURIDÃO, UM DESAFIO DE GENTE GRANDE.  SOBE, SOBE E SOBE. RETO OU EM ZIGUE-ZAGUE, SEMPRE NO LIMITE. SOBRA HOSTILIDADE. TERRENO EM NEVE E GELO, COM VENTOS UIVANTES,  ÀS VEZES COM VELOCIDADE SUPERIOR A 50KM/H E SENSAÇÃO DE PELO MENOS 12° NEGATIVOS.  FORÇA DO VENTO  QUASE CHEGOU A DERRUBAR MEU AMIGO-IRMÃO DE MONTANHA.

NO SACRIFICIO, AO PASSO... 1,2...1,2...1,2..RESPIRA, PUXA O AR PELO NARIZ PRA FILTRAR E SOLTA PELA BOCA..1,2...1,2... UMA ROTINA MASSACRANTE. "RADDI, NO SEU RITMO", ALERTA O GUIA. PEÇO PRA DESCANSAR.

DEPOIS DE TRÊS HORAS, JÁ COM DOIS JOVENS ALEMÃES DESISTINDO, O CANSAÇO COMEÇA A PEGAR PESADO. FALTA OXIGÊNIO. TODO CUIDADO É POUCO PRA EVITAR O RISCO  DA HIPÓXIA CEREBRAL.  NO CAMPO ARGENTINO, DEPOIS DE GANHO DE ELEVAÇAO PRÓXIMO DE 400M, NA COTA DE 5600M, CHEGA A HORA DE DECIDIR. 

 EU JA NÃO ESTAVA LÁ ESSAS COISAS. NÃO GARANTO QUE CONSEGUIRIA  CAMINHAR MAIS UMAS CINCO/SEIS HORAS PARA GANHAR MAIS 488M E CHEGAR AO SONHADO CUME. JÁ O FLAVIO ACUSAVA  DEDOS DOS PÉS, NARIZ E CANELA CONGELANDO, ALÉM DE FORMIGAR. NOSSA COORDENAÇÃO E NOSSO PSICOLÓGICO TAMBÉM JÁ NÃO ERAM OS MESMOS. TALVEZ POR FALTA DE OXIGÊNIO NO CÉREBRO. AFINAL, ALTITUDE É SINÔNIMO DE AR RAREFEITO.  RISCO IMINENTE!

FOI AÍ QUE DECIDIMOS, JUNTOS, POR   ABSOLUTA SEGURANÇA, PRESERVAR A VIDA. FOI DURO VOLTAR. MACHUCOU. MAS ADMINISTRAMOS BEM. DESCEMOS POR 1H30MIN  NO ESCURO, AINDA ENCORDADOS, MEIO QUE POR INÉRCIA, ATÉ O ACAMPAMENTO ALTO. PIOR QUE NÃO CHEGAVA NUNCA E AINDA PRECISÁVAMOS TER CUIDADO COM GRETAS TRAIÇOEIRAS.

GRAÇAS A DEUS,  APÓS ALGUNS SUSTOS, DEU TUDO CERTO.  CHEGAMOS  NO REFÚGIO, DORMIMOS UMAS DUAS/TRÊS HORAS, TOMAMOS CHÁ DE COCA COM BOLACHAS E ROCAMBOLE DE DOCE DE LEITE, E PARTIMOS PARA O ACAMPAMENTO-BASE, ONDE A VAN NOS ESPERAVA PARA NOS LEVAR ATÉ A POUSADA "PARAÍSO".   LÁ, BANHO QUENTE, CAMA  BOA, ALMOÇO FARTO E CERVEJA PACEÑA.

NO DIA SEGUINTE, SEM ATROPELOS E  VÔOS  QUASE NORMAIS, EMBARCAMOS ÀS 13H, FIZEMOS CONEXÃO EM COCHABAMBA E DESEMBARCAMOS EM SÃO PAULO ÀS 18H. AINDA ANESTESIADOS,  AÉREOS, COM QUEIMADURAS NOS DEDOS -- MEU INDICADOR ESQUERDO ESTÁ QUEIMADO/CONGELADO ATÉ HOJE  -- , NO NARIZ E NOS LÁBIOS. PORÉM,  EXTREMAMENTE FELIZES PELA EXPERIÊNCIA ÚNICA. 

NÃO FOI PRECISO TRAZER  O CUME  DO  IMPONENTE HUAYNA POTOSI NO BOLSO. APENAS A MONTANHA NA ALMA. NÃO FOI PRECISO TER O BRILHO DOURADO DOS GRANDES CAMPEÕES. APENAS ADMIRAR  BEM  DE PERTO O BRILHO DO SOL A ILUMINAR UM CUME  QUE SEMPRE SERÁ  RESPEITADO.






VALEU, MEU AMIGO E PARCEIRO FLÁVIO. SIM, SOMOS VENCEDORES. APRENDEMOS MUITO. NÃO PRECISAMOS DE MEDALHA NO PEITO.  JÁ TIVEMOS A CORAGEM DE TENTAR. E  A CORAGEM DE VOLTAR. CORAGEM E HUMILDADE  PARA VOLTARMOS VIVOS E FELIZES.  GRATIDÃO ETERNA! 

8
   






















quinta-feira, 8 de setembro de 2022

COUTO, PRATELEIRAS E AGORA HUAYNA POTOSI E CIA

 


Antes tarde do que nunca! Apenas um   breve texto. Por favor, me desculpem, mas não confundam  textinho com testículo. Linguagem chula, né? Calma! Respirem! Mesmo porque,  passo ao largo  de  rompantes grosseiros tão autoritários quanto  frágeis e suspeitos, atrelados à manjada  falácia sobre sexualidade de garanhão. Turbante imbrochável ou mais um pseudomachista falastrão  a deixar rastro de Jangadinho, o boi  fujão? Qualquer  que seja  sua preferência,  mesmo que por mim não endossada, sempre será respeitada.

Voltemos ao que interessa. Pela terceira vez, voltei ao Pico das Prateleiras. Foi dia 13 de julho, novamente ao lado do amigo Fábio Turazza e dos guias Vitor Nunes e Sadak.


Estive lá em 2002, 2010 e agora. Portanto, exatas duas décadas se passaram. Com 67 anos, juro que tive mais medo e dificuldades pra encarar o maciço. O tempo passa e não perdoa.



E olhem a  grata coincidência. No cume, sem nada combinado, encontrei o Jerônimo, guia que lá me levou há 20 anos.  Papos, lembranças e abraços. Até foto  histórica rolou.


Foram oito horas de aventura. Mais como treinamento para tentar fazer três montanhas de mais de 6 mil metros de altitude já na próxima semana, na Bolívia. Já estou no modo Huayna Potosi.  Ansiedade a mil. Com aquele friozinho na barriga que só passa quando iniciamos de fato a ascensão. Como naquela final de campeonato. Só passa quando o juiz apita pro jogo começar. Se bem que alguns fracotes travestidos de machões não se garantem em decisões. Cantam de galo, mas se borram e se livram das responsabilidades da bola num piscar de olhos. Quando não,  do cargo e  da vida.



Fizemos o circuito Couto/Prateleiras numa boa.  Mas não foi mamão com açúcar não. Assim, com o Morro do Couto,  pude completar a nona conquista entre as 12 maiores altitudes do Brasil.


Acreditem! Nem eu esperava, mas é verdade. Agora  só faltam o  Pico da Neblina (1°), o 31 de Março (2) e o icônico Monte Roraima (8). Já fiz Pico da Bandeira, Pico do Calçado, Pedra da Mina, Agulhas Negras, Pico do Cristal, Pedra do Sino de Itatiaia e Pedra do Altar. Ufa!



Os três restantes estão  sim no radar deste sessentão metido a besta. Mesmo há quase 100 dias  com problemas no ombro, na panturrilha e na lombar.  Não vou parar. Pena  que nossos pontos culminantes  fiquem tão distantes e exijam  logística de valores extratosféricos. Vamos ver.


Por hoje, na alça de mira, apesar das lesões, estão programados, agora ao lado do amigo Flávio Giudice,    3x6mil  nevados da Bolívia, em apenas seis dias. Vamos tentar Acotango (6052m), Parinacota(6342m) e Huayna Potosi (6088m). Difícil? Muuuuito! Impossível? Jamais! Não custa tentar. Mas,  desta vez, sem aclimatação adequada -- assumo o erro --,  para  conquistá-los  e abraçá-los vou precisar do incentivo,   das vibrações positivas e das orações de pelo menos duas torcidas: Coríntians e Flamengo.


Conto tudo quando voltar..se não voltar, fui porque Ele quis. Nada de lágrimas. Tome um vinho (bom) por mim. Fui embora feliz. 

Mas juro que volto. Compromisso inadiável! Promessa é dívida. Opa! Vixe!   Texto contaminado pelo momento triste e  turbulento protagonizado por quem deveria dar exemplos. Conversa  de político profissional. Com raríssimas exceções, farinha do mesmo. Ou seriam esterco do mesmo curral? Ou mesmo tribunal? Sim, ele mesmo, o Supremo. Para alguns, outro templo da vergonha nacional.


Porém, não estou em campanha eleitoral.  E entendo que mensalão e petrolão  também são frutos podres de corrupção deslavada.  De políticos destronados  tão  ultrapassados,  cínicos e nojentos quanto os empodeirados de plantão. Vide as  campanhas  medíocres e desrespeitosas de semideuses a um passo da divindade, da  "perfeição".  Pau a pau.  Mas ao rés do chão.  Um escárnio. Uma afronta  ao mérito e à inteligência do cidadão comum. 

Feliz e honestamente, pra mim,  pobre mortal, meu salário de aposentado  como professor de Educação Fisica e jornalista, de fato, é fruto saudável,  justo e suficiente de 40 anos de suor. Questão de berço!


Então, recados dados,  voltemos à terra. Afinal, meu querido neto, Victor, me espera pra bater bafo e completar o álbum com as figurinhas da Copa do Mundo. Ah, minha doce Julia pediu mais uma pedrinha do vulcão. Como não trazer?








segunda-feira, 9 de maio de 2022

UM SONHO, DUAS BANDEIRAS E TRÊS CUMES

Enfim, no topo do Cristal


Chegando no Bandeira




Na cabeça, um sonho acalentado há  exatas duas décadas,  ainda no alto das Prateleiras. No topo da  terceira montanha mais alta do Brasil, duas bandeiras a emoldurar um coração orgulhosamente rio-pardense/andreense. Na realidade, três conquistas sequenciais de cumes em menos de 10 horas. Feito respeitável pra quem ja passou dos 60!

No último dia 28 de abril, com temperatura entre 20° e 25°,     sob  um fantástico céu de brigadeiro a iluminar a Serra do Caparaó, enfim, Bandeira, Calçado e Cristal  nos receberam de braços abertos.

E que abraço!!! O melhor  do mundo. Como ombro de pai, colo de mãe, cumplicidade de irmãos, esposa e filhos,  e  sorrisos  inocentes de netos...

Hoje, de volta, eu  e o amigo Fábio Turazza, um parceiro nota 10,  ainda estamos transbordando de orgulho e  felicidade. Foi bem difícil, cansativo, mas valeu a pena. Gratificante! 

Bem na divisa de Minas Gerais com o Espírito Santo, encravada aos pés de montanhas produtoras dos melhores cafés do Brasil, a  jovem ( emancipada em 1995) e pequena  Alto Caparaó tem apenas seis mil habitantes. Pouco mais, pouco menos, talvez.

Diz a lenda que  três boiadeiros corajosos subiram a serra, laçaram e caparam um touro muito  bravo chamado  Ó, daí o nome Caparaó. Huuumm!

Também há mineiro hospitaleiro  a jurar que o nome do município   vem do tupi-guarani --  caaparo, coisa silvestre, do mato, como a água cristalina que desce da montanha.

Na véspera, de Santo André até lá foram 764km,  superados em 12 horas. Pista simples, muitas curvas, caminhões, lombadas e, no  trecho final,  sem acostamento e com invasão do mato, um buraco dentro de cada cratera.  Absurdo! Vergonha a ser creditada na conta do governo mineiro.





A grandeza do Cristal




Um ponto branco no meio da bela montanha


Um dia de Homem Aranha
Um caipira  6.7 no cume cristalino



QUERÊNCIA, TRONQUEIRA, TERREIRÃO...

No dia seguinte, após sono reconfortante na simples e aconchegante Pousada Querência, pulamos da cama logo cedo, tomamos café reforçado na padaria mais  próxima e fomos ao encontro do guia  nota 10. Como líder e condutor,  Sairo começou ainda  menino,  aos 15 anos.  Já são 23 de dedicação à preservação de natureza exuberante e a turistas do país  inteiro. Tão discreto e simplório quanto altamente comprometido com a profissão e com a serra. 

Fomos de carro.  Lógico! Oito minutos e 13 segundos até a portaria do Parque Nacional do Caparaó -- ingresso gratuito reservado pelo site -- e mais uns 18 minutos de estrada de terra apenas razoável até o estacionamento Tronqueira. 

OBRIGADO, MEU DEUS


Sairo, um guia de verdade



Fábio  Turazza e Sairo, parceria vitoriosa 


Daí pra frente, a partir das 7h20min,  por 3,7km, um show de beleza incomum. Sebo nas canelas, até passarmos pelas  lindas cachoeiras e poços cristalinos do Vale Encantado --  de um lado MG, do outro ES -- e chegarmos ao famoso Terreirão.

Ali,   trilheiros, aventureiros, turistas de ocasião e até peregrinos do Caminho da Luz, montam barracas ou apenas descansam e se reabastecem antes de encarar os 3,2km finais até o cume do famoso Bandeira. Aquele, então considerado o ponto mais alto do Brasil,  onde, em 1859, D. Pedro II mandou fincar uma bandeira do Império. 

Após tomar água gelada, gatorade e um café feito na hora pelo Sairo, retornamos pra trilha às 9h15min, no exato momento  em que quatro mulas chegavam com material para reformas de  duas  construções utilizadas por guias e funcionários do parque. Ah,   também ali fica a Casa de Pedra, que, do final de 1966 ao início de 1967, na chamada Guerrilha do Caparaó, teria servido como "QG" de  alguns militares cassados e guerrilheiros  de esquerda que se insurgiram contra a ditadura militar. Muita fumaça e pouco fogo.

Duas paixões: Brasil e Coríntians



PARTIU CRISTAL!


Sem perder tempo pra não voltar no escuro, cruzamos a pontinha  referência/divisa dos estados sobre um "corguinho" e, já em terras capixabas, aceleramos por cerca de 2km -- bem próximos de outros picos relevantes como Morro da  Cruz do Negro (2658m), Tesouro (2620m), Tesourinho e Pedra Roxa (2649m) -- , até a bifurcação: à esquerda, uma subida com muita pedra quase em linha reta até o Bandeira; à direita, uma trilha -- a das 3 Lagoas, que poucos fazem--, passando pela nascente do rio Caparaó,  onde tomamos água, até a base do Cristal, ponto culminante do Estado de Minas Gerais. Um sobe e  desce sem fim e sem  demarcações claras. Daí a importância de se escolher um bom condutor.

Nossa escalaminhada não foi fácil. Pra mim! Nosso guia praticamente não usava as mãos, enquanto  este caipira estava mais pra cabrito montanhês do que pra Homem Aranha.

Caraca! Inclinação chega a  assustar...se errar o passo, a ranhura,  o apoio, era uma vez. Alguém tomaria o  último vinho por mim...

Foram  uns 25 minutos pra conquistar uma das  montanhas  top 10 do Brasil.  Nem o confuso IBGE sabe oficialmente  se é a sexta ou a sétima entre as brutas. No cume, com 2770m,  descortina-se  cenário deslumbrante. Um mar de montanhas a perder de vista, com o casario  de Alto Caparaó fincado lá embaixo, ladeado por cafezais. À esquerda,  já no Espírito Santo, o acampamento da Casa Queimada, outro caminho de acesso ao Bandeira.

Livro de cume molhado mas rubricado com orgulho, cristal prometido pra neta Julia no bolso,  descemos com extremo cuidado, em 15 minutos.  Na base, reforçamos o estômago, jogamos conversa fora e  às 13h partimos pra cima, contornando o Calçado Mirim (2818m) por uma trilha estreita até atingir o Calçado, ainda  extraoficialmente considerado pelo IBGE  como o  quarto mais alto do País,  com 2849m.  Mas deve ser excluído da lista porque mais parece ombro do Bandeira.

Em seguida, com o coração na boca, a língua de fora e a musculatura da perna dando  claros sinais de cansaço, passamos pelo Pico 2 ou Pico do Cruzeiro (2852m), descemos um pouco, ganhamos a trilha principal e partimos definitivamente pra  atingir o Bandeira.


Chegamos ao topo, 2892m, às 14h,   ainda com céu azul, mas com neblina e nuvens se aproximando a partir do Cristal.

Muito alto. Visão de 360° de tirar o fôlego. PQP! Coisa  fantástica! Mais água, carb up,  castanhas,  doces, salamitos, cumprimentos mútuos, agradecimentos e  fotos  com as bandeiras do Brasil e do nosso Coríntians.

No  famoso livro de cume, fica, com orgulho,  um legado singelo, mas  para  a eternidade...os nomes dos meus oito  amados netos: Victor, Júlia, Davi, Matheus, Cecília, Beatrice, Gabriel e o caçulinha Gustavo.

E  lá vamos nós morro abaixo. Como diz o ditado,  o santo pode até ajudar, mas o cansaço empurra pra quedas inevitáveis.

Saímos  do Top-3 às 14h20min e só descansamos uns cinco minutos no Terreirão, pra chegar no Tronqueira às 17h  dentro da programacão proposta pelo torcedor do Flamengo de fala mansa, passos firmes, guiada segura e liderança quase silenciosa.

Graças a ele, as montanhas nos receberam de braços abertos. Graças  a Deus, nossos  sonhos viraram conquistas inesquecíveis. 

Graças a todos os anjos da guarda de plantão,  fui enaltecido por ter feito tudo isso --  cerca  de 16,5km,  ganho acumulado de altitude superior a 1350m e perda próxima de 1250m -- em apenas 9h40min.












Fábio, um guerreiro 6.3


 Aventura inédita sob o comando do Sairo. Pelo menos pra quem completa 67 anos daqui a 30 dias.  Ainda vou mais longe e mais alto. Acreditem!  Afinal,  amo, respeito e sou amigo da montanha. 

Faltou tempo pra curtir as belas cachoeiras e as invejáveis  plantações de café da região. Quem sabe um dia?

Muito obrigado a todos.








FABIO, SAIRO E RADDI