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sexta-feira, 20 de julho de 2018

Cordillera Blanca: um paraíso imperdível






















Sim,  a Cordillera Blanca, ao norte de Lima, capital do Peru, é uma atração turística imperdível. É simplesmente maravilhosa. E desafiadora.
Pra quem gosta de aventura, um prato cheio.  Pra quem gosta de beleza, um colírio. Montanhas, nevados, vales e lagunas estonteantes. Muitos acima de 6 mil metros de altitude. 
Mais uma vez nosso passeio só se efetivou por obra e arte do Milton e  da Mari, companheiros de viagem  insubstituíveis.  Trilha Salkantay/Machu Pichu, Deserto do Atacama/Chile e agora Trek Santa Cruz/Cordillera Blanca.
Nossa doce loucura aconteceu  entre 9 e 21 de junho, logo no início da Copa do Mundo. Embarcamos dia 9 e voltamos dia 21. Avião da Latam ficou devendo. Decepcionante. Chinfrim!
Em Lima,  alugamos um  bom carro e viajamos  400 km pela Carretera Panamericana Norte até a capital do departamento de Ancash,  Huaraz, nosso quartel-general.
Entre as cordilheiras Branca e Negra, a cidade agora com 120 mil habitantes foi  destruída  -- assim como sua vizinha  Yungay -- pelo terremoto de maio de 1970. Sinceramente,  Huaraz (3.700m) é hospitaleira, mas feia. Com ferragens à mostra, construções inacabadas e sem pintura parecem prontas para mais um puxadinho pra receber noras e genros.
Guardadas as devidas proporções, o trânsito é tão caótico quanto o de Lima. Não há transporte coletivo. Vans malucas e táxis estridentes ditam o ritmo e o som. E dá-lhe buzina! 
Mas em uma semana dá pra acostumar. Inclusive com o  escandaloso domínio do Corolla branco. Aquele tipo banheira. Se Yungay é conhecida como Cidade Sepultada, a ressuscitada Huaraz merece o slogan de capital mundial do Corolla branco. Meu Deus! Um absurdo! Táxi, ambulância, pick-up... Supera até o tradicional e estranho tuc-tuc,  moto-táxi que só falta virar ônibus e metrô.

O comércio huaracino é forte, dinâmico. Especialmente no entorno da  conhecida Praça de Armas. Ruas principais parecem formigueiros. Inúmeros restaurantes e  mercadinhos são bons e  aplicam preços mais justos do que os nossos.
ACLIMATAÇÃO INDISPENSÁVEL
Fizemos vários passeios  indispensáveis de aclimatação antes de encarar os quatro dias pesados do famoso trek Santa Cruz, também dentro do Parque Nacional Huascarán, nome do  nevado mais alto do Peru, com 6.768m no cume sul.
No primeiro dia, de carro e com curta mas cansativa -- altitude! -- caminhada até o mirador,  conhecemos a  linda Laguna Paron,   circundada e protegida por nevados  não menos exuberantes: Pirâmide de Garcilaso ( 5.885m), Chacraraju (5.105m), Caraz (6.020m), Pisco (5.750m), Artezonraju ( diz a lenda que o nevado de 6.025m é a referência que aparece na abertura dos filmes da Paramount Pictures, mas há controvérsias) e os quatro Huandoy, o mais alto deles ao norte, com 6.395m.
No segundo passeio de adaptação à altitude o destino foi a Laguna 69, a  4.605m do nível do Oceano Pacífico. Desnível acentuado, com ganho de elevação superior a 700m. Trilha pesada, com mais de cinco horas de pernada encarando cotovelos  intermináveis. Mas   ver aquela água azul turquesa colada no  Chacraraju valeu a pena. Sensacional!
Pra chegar na 69, passa-se na região de Llanganuco, onde estão as  belas lagunas Chinancocha (fêmea) e Orconcocha (macho). Um paraíso de águas verdes, quase aos pés do imponente Huascarán.
No terceiro dia pegamos leve. Fomos de carro -- conhecemos a   planta puia Raymondi --  até bem próximo do Glaciar Pastoruri, com 5.245m de altitude. Muito bonito e com direito a encontrar um casal de Santo André -- Fernando e Luciana, se não me engano. Por causa do aquecimento global o glaciar perde em média 35 metros de gelo por ano e não sobreviverá a mais duas décadas. Que pena!
A altitude pegou. Faltou oxigênio na lenta caminhada de menos de dois quilômetros.  Sobrou frio. Vento também. E de repente nevou. Com menos de três graus, o remédio salvador foi o caldo de  cordeiro inigualável da dona Vitória. Naquele exato momento, o melhor do mundo. Batatas, ovos e milho especial pra acompanhar. Aí esquentou!
        
 O DESAFIO DO TREK SANTA CRUZ 
De 14 a 17 de junho, nosso grande desafio, o trek Santa Cruz. São cerca de 60 quilômetros,  de Vaqueria a Cashapampa. O normal seria no sentido inverso, mas, por sugestão do sempre prestativo Scheler,  da  agência Scheller Artizon, começamos por Vaqueria. Ainda bem! Foi mais suave.
O primeiro dia não foi tão pesado. Do povoado de  Vaqueria ( altitude de 3.500m) até o acampamento de Cachinapampa (3.700m) alternam-se descidas, subidas leves e terrenos plainos em sete quilômetros,  vencidos em  menos de seis horas.
Porém,  no segundo dia a pernada foi muito pesada. Depois do tradicional chá de coca pra combater o mal da altitude e do café da manhã reforçado foram mais de oito horas de caminhada para superar 12 km, com pelo menos uma subida e uma descida de fazer qualquer cristão  gemer pra pagar os pecados.
Ganho de elevação foi o maior do trek: mais de 1.000m. De descida foram cerca de 500m até chegar ao acampamento Taullipampa (4.250m). Ponto mais alto do dia e do trek foi o Punta Union,   passagem  em 4.750m de altitude, ao lado de  lindos nevados e duas lagunas de encher os olhos. Pra encerrar,  um belo jantar  da Justa e  aquele sono  sem tanto  frio e sem banho. Só na toalhinha umedecida!  (Rsrs)
Terceiro e quarto dias não foram tão estafantes.   De Taullipampa a llamacorral (3.760m) foram 11.5 km. Com ligeira chuvinha.
Não conseguimos avistar o belíssimo e famoso Alpamayo por causa da neblina e do tempo nublado. Mas o final da tarde foi recompensado pela  deliciosa cerveja Cusquenha ao lado da  guia e  boa cozinheira Justa --  pronuncia-se "Rusta" -- e do guia Nick. Seu Vicente, responsável por burros, cavalos e montagem de barracas e tendas,  preferiu uma  inka-cola. Gente boa!
No quarto dia foram 9.2 quilômetros e  menos de cinco horas de muito  mais  descidas ao lado do rio do que ascensões. Mas todo cuidado na ribanceira  final é pouco.  No somatório de sobe-e-desce mergulhamos cerca de 800m até Cashapampa (2.970m).
Chegamos  a tempo de ver o final da derrota  de 1 a 0 da Alemanha para o México. Apesar de muito cansados e felizes, não conseguimos ver o empate de 1 a 1 do Brasil com a Suíça. Afinal, foram  mais de três horas de van até Huaraz. Tudo por uma ducha quente, um banheiro  com vaso em vez de buraco na terra preta 9e uma cama  de verdade, sem isolante térmico nem saco de dormir.
No dia seguinte, nada mais justo do que um descanso, sem caminhada, com comida boa, vinho, cerveja, suco de granadilla e chocolate à vontade.
Pra encerrar nossa expedição Cordillera Blanca ainda encaramos a Laguna Rajucocha,  bem aos pés do Huantzan (6.395m). Com a estrada ruim, deixamos o carro no meio e  caminhamos mais de seis horas -- ida e volta -- ao  lado de gado e  de ovelhas brancas e negras. Tudo muito  plaino e bonito no vale. Valeu a pena!
No último dia,  depois de vencer os  intermináveis caracoles da carretera na saída de Huaraz, chegamos a Lima a  tempo de comer um ceviche delicioso no famoso bairro de Miraflores.
Quanto ao trânsito, deu vontade de chorar. Um caos!  Mas  nada que abalasse ou apagasse o brilho de olhos felizes e corações acelerados. Afinal,   o quarteto Trilheiros do Peru acabava de  conquistar e abraçar uma cordilheira digna da morada dos deuses.

domingo, 8 de julho de 2018

Serra Fina: enfim, o sonhado abraço















Felizmente, desta vez sem a dor da frustração. Enfim, o merecido abraço! Exatamente  ao meio-dia de quinta-feira, dia 5 de julho de 2018. Foi quando, na BR-354, em Itamonte-MG,  conseguimos -- Raddi, Léo e Daniel  -- concluir a difícil travessia da temida mas fascinante Serra Fina, na Mantiqueira.

Poucos sabem, mas significa a realização de um sonho acalentado desde  setembro de 2003. Isso mesmo! Há 15 anos, quando subi pela primeira vez o Pico de Agulhas Negras,  me lembro de ter perguntado ao guia Jerônimo, da Gute Expedições, sobre a tal Pedra da Mina:

-- Onde fica a Pedra da Mina?

-- Ali, bem à nossa frente. Deve ser oficializada pelo IBGE como quarto pico mais alto do Brasil, superando Agulhas.

-- Difícil subir lá?

-- Tá de brincadeira! Bem difícil. Só gente treinada, determinada e experiente. Dá pra subir e descer no mesmo dia, num bate-e-volta, mas o ideal é dormir lá, descansar e curtir por e nascer do sol.

-- Quem sabe antes dos 60? Ainda tenho 48 anos.

-- A Pedra da Mina pode ser, mas a travessia da Serra Fina é quase impossível.

-- Como assim? Que travessia?

-- Sim, uma travessia  de quatro dias que vence vários cumes acima de 2 mil metros de altitude, incluindo a Pedra da Mina (2.798m).

-- Nossa! Não é pra mim.

Assim terminou nossa conversa em 2003.

E não é que em 2015, com exatos 60 anos, eu  e a Ângela, minha esposa,  fizemos um bate-e-volta na Pedra. Sob o comando do Guto,  amigo e guia top de Passa Quatro, subimos o quarto pico mais alto do País em seis horas, descansamos e contemplamos a paisagem durante 60 minutos e  descemos até o Paiolinho em cinco horas. Uma senhora conquista, diga-se.

Então, por que não a travessia da Serra Fina? Ideia amadurecida, hora de treinar.

Primeira tentativa aconteceu em setembro de 2017, mas amigo irmão Zé Luiz sentiu dores insuportáveis nos joelhos. Fomos  até o Capim Amarelo, onde passamos a noite, mas retornamos no dia seguinte.

Fiz nova tentativa há dois meses,   em companhia apenas do Léo,  guia da Araucária Expedições. De novo a Serra Fina não me deu permissão. Fomos até a Pedra da Mina,  mas precisamos abortar pelo Paiolinho devido a chuva e raios, sinônimos de perigo a ser respeitado.

Como costumo ser teimoso e determinado, não me dei por vencido. Após fazer a belíssima Cordillera Blanca,  nas respeitáveis altitudes do Peru, resolvi novamente ir ao encontro da Serra Fina.

E desta vez não deu outra!  Ela, minha eterna  deusa,  me recebeu de braços abertos. Treinado, motivado, determinado e consciente de minha capacidade, encarei a bitela  na semana passada. Estava preparado para o desafio gigante, para as dores e para o frio. Tudo no limite.

Foram  dois dias, duas noites e mais 3h30min acima das nuvens para concluir cerca de 33km montanhosos de uma beleza indescritível. Um pega-pra-capar. Coisa de gente grande, bruta. Modéstia  à parte,  mandei bem. Tradicionalmente a travessia é cumprida  em quatro dias e três noites. Por gente do ramo, experiente e bem treinada.

Viajei para Passa Quatro  logo depois da vitória do Brasil sobre o México e dormi no hostel do Guto. Na terça-feira, eu e  o Léo saímos da Toca do Lobo às 7h15min.  Pegamos água, "desfilamos" no Passo dos Anjos depois de superar o Quartzito (2035m) sem muita dificuldade e após algumas cordadas e escalaminhadas chegamos ao Capim Amarelo (2490m) às 10h45min.

Pra se ter uma ideia, na primeira vez demoramos 7h15min: na segunda, 5h45 min, e agora apenas 3h30min.  Nem acreditei. Como previsto,  assinamos o livro do cume e passamos batido, já que a intenção era fazer a travessia em três dias.

Então  descemos o precipício do Capim até o acampamento Maracanã, onde encontramos e adotamos o pai da Sarah, mais conhecido como Daniel. Gente boa, escalador, formado em Farmácia e representante de laboratório farmacêutico, o moço de Pindamonhangaba foi excelente companhia. Show de bola  o respeitável Juvenil!














Decididos a dormir na Pedra da Mina, descansamos um pouco, nos alimentamos, matamos a sede e tocamos em frente. Sempre em companhia de pedras,  cristas estreitas, capim elefante e bambuzinhos.  Passamos pelo pico do Melano (2.570m) e depois de muito sobe-e-desce chegamos à Pedra da Mina, por volta de 17h.

Arrebentados, diga-se de passagem. Mas determinados e felizes.  Quando alguém pedia pra respirar era a salvação dos três.

Afinal, foi uma pernada de quase 10 horas para ver um por do sol inesquecível. Um  absurdo ganho de elevação acumulada de 2.200 metros nos credenciou a  acordar acima das nuvens e a ver um nascer do sol magnífico, com jeito de explosão nuclear,  a cores. Sem contar que  nesse dia descemos mais de mil metros e isso também pesa muito.

Não passamos frio porque acampamos 10m  mais abaixo,  protegidos do vento, ao contrário de outros trekkers que optaram pelo topo. No dia seguinte, quarta-feira,  tomamos o  bom café   sem açúcar do Daniel, assinamos o livro do cume e às 9h descemos em direção ao belo Vale do Ruah (vento, sopro de vida,  em hebraico).

Atravessamos  charcos margeando o Rio Verde -- lugar fácil de se perder no capinzal cortante e tropeçar nos tufos escondidos -- e em seguida vencemos o Pico do Brecha (2.570m). Sobe, desce, descansa, respira, faz piada, mata a sede... Pouco depois já estávamos no Cupim de Boi (2530m) e mais perto do Pico dos Três Estados (2.665m e 10° do país).

Bem pertinho da gente, o helicóptero Águia da PM-SP,  que durante todo o dia procurava o jovem Luís Cássio, perdido desde quinta-feira, fez um quase pouso sobre as pedras, onde saltaram dois bombeiros. Em seguida voltou com mais três.

Ficamos otimistas, oramos e na manhã do dia seguinte tivemos a confirmação de que Luís Cássio  fora resgatado com sucesso e passava bem. Inexperiente, só não deveria estar sozinho. Faltaram responsabilidade e bom senso. Sobrou sorte.

Eram 16h30  quando deixamos o Três Estados e  estrategicamente esticamos mais meia hora até o último acampamento antes do Alto dos Ivos (2.510m), adiantando a pernada do dia seguinte.

No segundo dia o ganho de elevação e a perda  foram semelhantes, cerca de  mil metros. Pernada de oito horas. Mas na Mantiqueira quilometragem é  item secundário; vale mais ter como referência o que subimos e descemos e quanto peso carregamos na cargueira, além de clima e temperatura.

Na quinta-feira, de novo um lindo dia. É a magia, o fascínio da  nossa Serra dos Bambuzinhos. Acordamos cedo, vimos o nascer do sol sob o testemunho de Agulhas e Prateleiras e saímos do acampamento às 8h30, logo depois da passagem dos bombeiros, que  após o ato heroico do dia anterior resolveram abdicar da aeronave e voltaram a pé até a BR-354.

Trajeto  final foi bem interessante  e tranquilo. Ultrapassamos e fomos ultrapassados pelos "heróis" várias vezes. No final, quando todos aguardávamos os  respectivos resgates na BR-354, conversamos  regados a  lanches, bolos, banana, suco, chocolate quente e queijo parmesão.

E conhecemos o Plínio, bombeiro que acabara de correr os 235km  da Uai, tradicional  corrida pelas bandas do Sul de Minas. Coisa pra gente grande. Gigantes!

Perto dos outros, o terceiro dia foi café pequeno. Muita descida perigosa, depois a delícia da  mata fechada, estrada até o sítio do Pierre --  pretensa pousada que não vingou por estar em área de proteção ambiental  e ferir a legislação -- e  finalmente a sonhada rodovia da vitória.

Na chegada, aquela sensação gostosa de leveza,  de felicidade, de  batalha vencida, de conquista, de gol decisivo no último minuto da prorrogação. Afinal,  no acumulado foram cerca de 3.2 mil metros de subidas e 3.2 de descidas.

Não tem moleza não! A serra dos bambuzinhos e dos elefantes faz suar, sangrar e chorar; de dor e alegria. Faz parar e contemplar. Faz o silêncio ganhar vida e virar poema. Faz  a sombra ganhar brilho e virar fantasia. Faz o vento ganhar rima e virar poesia.

Também faz sonho virar realidade.  Um momento mágico, emocionante. Faz ter certeza de que a conquista  deve ser partilhada com filhos, netos, irmãos, esposa e amigos. Aquela certeza de que sim, é possível. Aquela certeza de que  tudo vale a pena quando a alma não é pequena.

Obrigado Léo. Obrigado Daniel. Obrigado senhor!