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domingo, 8 de julho de 2018

Serra Fina: enfim, o sonhado abraço















Felizmente, desta vez sem a dor da frustração. Enfim, o merecido abraço! Exatamente  ao meio-dia de quinta-feira, dia 5 de julho de 2018. Foi quando, na BR-354, em Itamonte-MG,  conseguimos -- Raddi, Léo e Daniel  -- concluir a difícil travessia da temida mas fascinante Serra Fina, na Mantiqueira.

Poucos sabem, mas significa a realização de um sonho acalentado desde  setembro de 2003. Isso mesmo! Há 15 anos, quando subi pela primeira vez o Pico de Agulhas Negras,  me lembro de ter perguntado ao guia Jerônimo, da Gute Expedições, sobre a tal Pedra da Mina:

-- Onde fica a Pedra da Mina?

-- Ali, bem à nossa frente. Deve ser oficializada pelo IBGE como quarto pico mais alto do Brasil, superando Agulhas.

-- Difícil subir lá?

-- Tá de brincadeira! Bem difícil. Só gente treinada, determinada e experiente. Dá pra subir e descer no mesmo dia, num bate-e-volta, mas o ideal é dormir lá, descansar e curtir por e nascer do sol.

-- Quem sabe antes dos 60? Ainda tenho 48 anos.

-- A Pedra da Mina pode ser, mas a travessia da Serra Fina é quase impossível.

-- Como assim? Que travessia?

-- Sim, uma travessia  de quatro dias que vence vários cumes acima de 2 mil metros de altitude, incluindo a Pedra da Mina (2.798m).

-- Nossa! Não é pra mim.

Assim terminou nossa conversa em 2003.

E não é que em 2015, com exatos 60 anos, eu  e a Ângela, minha esposa,  fizemos um bate-e-volta na Pedra. Sob o comando do Guto,  amigo e guia top de Passa Quatro, subimos o quarto pico mais alto do País em seis horas, descansamos e contemplamos a paisagem durante 60 minutos e  descemos até o Paiolinho em cinco horas. Uma senhora conquista, diga-se.

Então, por que não a travessia da Serra Fina? Ideia amadurecida, hora de treinar.

Primeira tentativa aconteceu em setembro de 2017, mas amigo irmão Zé Luiz sentiu dores insuportáveis nos joelhos. Fomos  até o Capim Amarelo, onde passamos a noite, mas retornamos no dia seguinte.

Fiz nova tentativa há dois meses,   em companhia apenas do Léo,  guia da Araucária Expedições. De novo a Serra Fina não me deu permissão. Fomos até a Pedra da Mina,  mas precisamos abortar pelo Paiolinho devido a chuva e raios, sinônimos de perigo a ser respeitado.

Como costumo ser teimoso e determinado, não me dei por vencido. Após fazer a belíssima Cordillera Blanca,  nas respeitáveis altitudes do Peru, resolvi novamente ir ao encontro da Serra Fina.

E desta vez não deu outra!  Ela, minha eterna  deusa,  me recebeu de braços abertos. Treinado, motivado, determinado e consciente de minha capacidade, encarei a bitela  na semana passada. Estava preparado para o desafio gigante, para as dores e para o frio. Tudo no limite.

Foram  dois dias, duas noites e mais 3h30min acima das nuvens para concluir cerca de 33km montanhosos de uma beleza indescritível. Um pega-pra-capar. Coisa de gente grande, bruta. Modéstia  à parte,  mandei bem. Tradicionalmente a travessia é cumprida  em quatro dias e três noites. Por gente do ramo, experiente e bem treinada.

Viajei para Passa Quatro  logo depois da vitória do Brasil sobre o México e dormi no hostel do Guto. Na terça-feira, eu e  o Léo saímos da Toca do Lobo às 7h15min.  Pegamos água, "desfilamos" no Passo dos Anjos depois de superar o Quartzito (2035m) sem muita dificuldade e após algumas cordadas e escalaminhadas chegamos ao Capim Amarelo (2490m) às 10h45min.

Pra se ter uma ideia, na primeira vez demoramos 7h15min: na segunda, 5h45 min, e agora apenas 3h30min.  Nem acreditei. Como previsto,  assinamos o livro do cume e passamos batido, já que a intenção era fazer a travessia em três dias.

Então  descemos o precipício do Capim até o acampamento Maracanã, onde encontramos e adotamos o pai da Sarah, mais conhecido como Daniel. Gente boa, escalador, formado em Farmácia e representante de laboratório farmacêutico, o moço de Pindamonhangaba foi excelente companhia. Show de bola  o respeitável Juvenil!














Decididos a dormir na Pedra da Mina, descansamos um pouco, nos alimentamos, matamos a sede e tocamos em frente. Sempre em companhia de pedras,  cristas estreitas, capim elefante e bambuzinhos.  Passamos pelo pico do Melano (2.570m) e depois de muito sobe-e-desce chegamos à Pedra da Mina, por volta de 17h.

Arrebentados, diga-se de passagem. Mas determinados e felizes.  Quando alguém pedia pra respirar era a salvação dos três.

Afinal, foi uma pernada de quase 10 horas para ver um por do sol inesquecível. Um  absurdo ganho de elevação acumulada de 2.200 metros nos credenciou a  acordar acima das nuvens e a ver um nascer do sol magnífico, com jeito de explosão nuclear,  a cores. Sem contar que  nesse dia descemos mais de mil metros e isso também pesa muito.

Não passamos frio porque acampamos 10m  mais abaixo,  protegidos do vento, ao contrário de outros trekkers que optaram pelo topo. No dia seguinte, quarta-feira,  tomamos o  bom café   sem açúcar do Daniel, assinamos o livro do cume e às 9h descemos em direção ao belo Vale do Ruah (vento, sopro de vida,  em hebraico).

Atravessamos  charcos margeando o Rio Verde -- lugar fácil de se perder no capinzal cortante e tropeçar nos tufos escondidos -- e em seguida vencemos o Pico do Brecha (2.570m). Sobe, desce, descansa, respira, faz piada, mata a sede... Pouco depois já estávamos no Cupim de Boi (2530m) e mais perto do Pico dos Três Estados (2.665m e 10° do país).

Bem pertinho da gente, o helicóptero Águia da PM-SP,  que durante todo o dia procurava o jovem Luís Cássio, perdido desde quinta-feira, fez um quase pouso sobre as pedras, onde saltaram dois bombeiros. Em seguida voltou com mais três.

Ficamos otimistas, oramos e na manhã do dia seguinte tivemos a confirmação de que Luís Cássio  fora resgatado com sucesso e passava bem. Inexperiente, só não deveria estar sozinho. Faltaram responsabilidade e bom senso. Sobrou sorte.

Eram 16h30  quando deixamos o Três Estados e  estrategicamente esticamos mais meia hora até o último acampamento antes do Alto dos Ivos (2.510m), adiantando a pernada do dia seguinte.

No segundo dia o ganho de elevação e a perda  foram semelhantes, cerca de  mil metros. Pernada de oito horas. Mas na Mantiqueira quilometragem é  item secundário; vale mais ter como referência o que subimos e descemos e quanto peso carregamos na cargueira, além de clima e temperatura.

Na quinta-feira, de novo um lindo dia. É a magia, o fascínio da  nossa Serra dos Bambuzinhos. Acordamos cedo, vimos o nascer do sol sob o testemunho de Agulhas e Prateleiras e saímos do acampamento às 8h30, logo depois da passagem dos bombeiros, que  após o ato heroico do dia anterior resolveram abdicar da aeronave e voltaram a pé até a BR-354.

Trajeto  final foi bem interessante  e tranquilo. Ultrapassamos e fomos ultrapassados pelos "heróis" várias vezes. No final, quando todos aguardávamos os  respectivos resgates na BR-354, conversamos  regados a  lanches, bolos, banana, suco, chocolate quente e queijo parmesão.

E conhecemos o Plínio, bombeiro que acabara de correr os 235km  da Uai, tradicional  corrida pelas bandas do Sul de Minas. Coisa pra gente grande. Gigantes!

Perto dos outros, o terceiro dia foi café pequeno. Muita descida perigosa, depois a delícia da  mata fechada, estrada até o sítio do Pierre --  pretensa pousada que não vingou por estar em área de proteção ambiental  e ferir a legislação -- e  finalmente a sonhada rodovia da vitória.

Na chegada, aquela sensação gostosa de leveza,  de felicidade, de  batalha vencida, de conquista, de gol decisivo no último minuto da prorrogação. Afinal,  no acumulado foram cerca de 3.2 mil metros de subidas e 3.2 de descidas.

Não tem moleza não! A serra dos bambuzinhos e dos elefantes faz suar, sangrar e chorar; de dor e alegria. Faz parar e contemplar. Faz o silêncio ganhar vida e virar poema. Faz  a sombra ganhar brilho e virar fantasia. Faz o vento ganhar rima e virar poesia.

Também faz sonho virar realidade.  Um momento mágico, emocionante. Faz ter certeza de que a conquista  deve ser partilhada com filhos, netos, irmãos, esposa e amigos. Aquela certeza de que sim, é possível. Aquela certeza de que  tudo vale a pena quando a alma não é pequena.

Obrigado Léo. Obrigado Daniel. Obrigado senhor!

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