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segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Pai

Olá, Pai, tudo bem?

Tô com saudade! E ela dói!

Demorei pra te escrever, né?

Será que onde você está é mesmo melhor do que aqui na Terra?

Já encontrou suas irmãs e os tios Waldomiro, Artur, Zico, Ganchinho e Landão pra pôr a conversa em dia?

E o João Sernaglia, seu grande amigo nas caçadas de sabiás e nas sinfonias de curiós, canarinhos-da-terra e azulões?

Afinal, ninguém é de ferro, né? Tomar uma pinguinha ou uma caracu com os amigos do peito também não faz mal. Pode mandar goela abaixo.

Aquela caipirinha de maracujá da chácara também está liberada. Coada, acompanhada de linguiça apimentada, mandioca frita, pão e queijo da venda. Ainda não consigo fazer igual. Jamais conseguirei! Quer saber? Nem quero! Quando subir -- se subir -- tomo a sua.

Se todos estiverem no céu, como é provável, Deus perdoa, pede um suco e faz companhia. Sem rezar! Se estiverem um degrau abaixo, o diabo toma junto.

Pois é, Pai... Quase não consigo escrever. E nem bem comecei. Eta lágrima teimosa, sô!O nariz não para de escorrer. Queria muito falar da saudade que carrego no peito, mas fico travado. E molhado, lógico!

Queria ao menos externar meu eterno sentimento de gratidão. Do fundo do coração. Sei que disse antes de o senhor partir, mas é uma dívida eterna para com aquele Pai de sapatão furado. Diga-se, na sola e na joanete do pé direito.

Queria falar da Cerâmica Rio-Pardense, do caminhão GMC que eu "dirigia" no seu colo. Meu Pai, seu Valério, o Italiano, era o melhor motorista do mundo. O GMC gemia carregado de barro, lenha, vasos, telhas, talhas, filtros e cia.

Pelas estradas de terra do Sul de Minas o GMC azul vivia encravando. Era o nosso ganha-pão, o sustento. Ajudou a formar três filhos -- eu, a Valéria e o Moisés.

Te juro, eu queria falar da marmoraria de chão batido e telhado torto em sociedade com o Mané. O sempre risonho e piadista Mané Trapaia, que, aposentado, lendo no banco da praça da matriz, morreu atropelado, acredite, por carro sem freio e sem motorista. É o cúmulo do azar, né?

Dizem que quando o Mané jogava bola, em São João da Boa Vista, o técnico do time o escalava com a seguinte justificativa, incontestável: "O Mané não joga nada, mas é o que mais trapaia o ponta".

Naquele tempo o futebol tinha ponta e atrapalhá-lo já era uma virtude. Será o que Mané atrapalharia seu xará, o Garrincha. Só se fosse contando piada e tomando várias.

Voltando às pedras que também sustentaram uma família. Me lembro da serra barulhenta e paquidérmica, ainda dos tempos do disco não diamantado. Da maceta batendo forte e coordenadamente no ponteiro afiado, a trabalhar a pedra bruta com a magia e a perfeição de um artista.

Não era mole, não! Na cabeça, para minimizar o pó de mármore contínuo, um simples boné de pano, às vezes de jornal, sem aba. Imagem inesquecível de quem sofria calado para ajudar uma costureira, dona Jandyra, a criar três filhos.

A pequena e velha forja e as duas antigas máquinas de lustrar também não saem da minha memória. Assim como o semblante de um Pai a empurrar blocos de pedra enormes com a ajuda de dois rolos de madeira desgastados. Ou simplesmente carregar nos braços.

Meu Pai era o homem mais forte da então pequena São José do Rio Pardo. Portanto, o mais forte do mundo. Por isso, mesmo com certa idade, era tão bom no braço-de-ferro. Lembra, Moisés, quando tínhamos a academia e dávamos aula? O máximo que conseguimos foi empatar. Haja braço!

Meu Pai também era o nadador mais rápido do mundo. Hoje, colocaria Cesar Cielo, Gustavo Borges e Xuxa no chinelo. Foi com ele que eu aprendi a nadar. Lá no açudão da Boa Esperança.

Como me esquecer do Pai mais "corajoso" do mundo? E não era só por causa do quintal à noite, do porão escuro ou do mato amedrontador durante as caçadas noturnas -- claro! -- de paca.

Acredite se quiser, Pai, mas, em pleno meio-dia, eu ficava cagando de medo só de levar o almoço pro senhor no cemitério. Detalhe: na marmita, o ovo frito tinha lugar cativo. Por gosto e/ou falta de melhor mistura.

Imagine, então, o senhor ali, junto de tantos mortos, assentando túmulo a noite toda, às vésperas de Finados, pra honrar o compromisso do melhor marmorista da cidade. Minto, melhor do mundo!

Também queria falar das poucas brincadeiras, das corridas até a esquina, na casa do seu Pedro Fargetti, seu patrão na época da cerâmica. O senhor tirava os chinelões, enfiava nas mãos, me dava distância e ainda me deixava sair antes.

Depois eu voltava a cavalo, nos seus ombros. Exatamente como faço hoje, com seu bisneto, o esperto Victor. Ele já gosta de pescar tilapinha, viu Pai? Victor é meu xodó e também gosta de bola. Como o senhor me ensinou a gostar vendo os jogos do Rio Pardo na Terceira Divisão.

Das caçadas nas fazendas Boa Esperança e Belo Horizonte, com água de mina tomada na folha, lima gelada, arranha-gato, inhambu e pomba juriti, eu também tenho muito a lembrar. Hoje, nem pensar!

Naquela época, meu Pai era o melhor "atirador" do mundo. Que pontaria com aquela cartucheira (32 ou 28), de dois canos, vendida com pesar pra ajudar na festa do meu casamento. Só me contaram 10 anos depois. Coisas de Pai.

Lógico que o senhor também era bom no estilingue, na malha -- foi campeão regional ao lado do seu Azael -- e na bocha. Bom ponteiro, ótimo atirador. Com certeza, o melhor do mundo! Sem mirar, a bocha subia mais do que o normal, descrevia uma parábola e pimba! As canchas do Tartarugão, do Angelim, do Toninho e da Grama são testemunhas.

Chi... de novo travei... E novamente chorei. Teria muito, muito mesmo, a dizer. Eu queria cuidar do senhor, mas o destino o levou antes. O lento câncer de próstata, o maldito Mal de Alzheimer e uma inesperada parada cardiorrespiratória roubaram meu bem mais valioso antes da hora. Sem sofrimento aparente, sereno, mas eu não queria.

O trator 8.5, que teve duas peruas Rural inesquecíveis nos anos 70 -- lembram-se, meus filhos? -- foi embora antes da última pescaria de traíra no açude do Hélio Escudeiro. Mas eu, o Moisés, o Bruno, o Felipe, o Nando, o Fábio, o Danilo e o Victor ainda vamos lá naquele canto.

O mesmo cantinho, perto do barranco e da cerca, onde o melhor pescador do mundo nos mostrava como fisgar as bitelas. Que categoria! Que alegria! Fora a gritaria! "Vamu tomá uma pra festejá!"

Exatamente no dia do professor, 15 de outubro, o senhor faria 86 anos. Mas não deu tempo nem de vir na festinha do primeiro aniversário da nossa pequena Julia, a filhinha da princesa-mãe, Maira. Seus bisnetos estão lindos e com saúde.

Mas, por favor, não me deixe sozinho em tarefa tão importante. Como um anjo de bigode e cabelos brancos, me ajude a fazê-los mais decentes, mais gente, mais felizes.

Sei que o senhor nunca foi muito de ler. Mas se tiver um tempinho, acesse o blogdoraddi. Por enquanto, é a alternativa pra matar a saudade que tanto me machuca.
Por enquanto, é a melhor opção pra repetir o quanto sou grato e o quanto te amei.

Com virtudes e defeitos -- prefiro esquecer -- inerentes ao ser humano. Sem precisar ser o melhor pai do mundo. Sem necessidade de ser perfeito. Nem herói. Simplesmente, Pai! Meu pai! De quem jamais deixarei de me orgulhar. Mais uma vez, obrigado por tudo!

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