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quinta-feira, 31 de outubro de 2019

TRAVESSIA PETRO X TERE: 3 DIAS EM 13 HORAS

O bom senso e a inteligência mandam fazer a  travessia da  belíssima Serra  dos Órgãos (RJ) em três dias,  com dois pernoites nos abrigos do Castelo do  Açu e da Pedra do Sino.  E o período ideal, com temperaturas amenas e chuvas raras, vai de maio a setembro.

Porém, há pessoas teimosas. Percorrer os  difíceis cerca de 30 km de Petrópolis a Teresópolis em três dias já não é fácil. Fazer em um dia, então,  soa como loucura quando o corajoso não é atleta de montanha.

Pois é... mas não é que o cabeçudo aqui acaba de realizar tal proeza em menos de 13 horas? Novamente ao  lado do guia/amigo Vitor Nunes, de Resende, a façanha aconteceu na última sexta-feira. 

Inicialmente, a travessia tradicional estava prevista para a época adequada -- chuva  rara e temperatura amena -- talvez   maio/junho de 2020, ao lado de esposa e amigos da montanha.

Só que, depois da aventura   maluca do bate-e-volta na Pedra do Frade, em agosto,  acho que fiquei meio empolgado e decidi fazer  agora em outubro mesmo. Com o Vitor na guiada. 

Combinamos fazer  P x T em dois dias -- 22 e 23/10 --, dormindo só no Açu, mas não deu certo por compromissos de outra  pessoa que pretendia ir junto  e pelo mau tempo.

Preparado física e psicologicamente, na quarta-feira de manhã o caipira aqui fez uma proposta  quase indecorosa pro Vitor: "E aí Vitão, que tal encarar a serra em apenas um dia -- light and fast --, sem preocupação com a beleza cênica daquele paraíso?"

Meu amigo não titubeou:" Boralá Raddi! Demorô! Em um dia?Quando?"

"Sexta-feira agora" -- respondi, sem pestanejar.

            CORRE-CORRE, INGRESSO E PASSAGENS

Na quarta-feira à tarde já estavam providenciados ingressos e passagens de ônibus. Foi um corre-corre danado. Ingresso se compra pelo site do Parnaso ( Parque Nacional da Serra dos Órgãos -- fundado em 1939 e com 20 mil hectares de área).  Sessentão não paga. Só apresenta  CPF e o voucher impresso (rsrs).

Quanto às passagens,  pela viação Águia Branca, comprei na Tersa de Santo André e embarquei no terminal Tietê, na Capital. Ônibus executivo de São Paulo a Petrópolis custou R$ 160; saiu  dia 24 às 23h e chegou  dia 25 às 5h45min. Jean foi um motorista exemplar. 

Na volta, de Teresópolis pra São Paulo, busão semi-leito custou R$ 168 e demorou oito horas. Dá muita volta e para em duas ou três cidades antes de Resende. Motorista Walmir  também deu conta do recado sem transtornos.

Intenção  inicial era começar a trilha às 6h, mas, pelo horário previsto de chegada do ônibus  já sabíamos que não daria. Encontrei o Vitor na rodoviária de Petrópolis, mas demoramos um pouco. Pagamos R$ 30 de Uber (Rogério, boa praça) até perto da portaria. 

Isso porque  antes não nos curvamos às primeiras pedidas abusivas de dois taxistas  e um  condutor de Uber: queriam cobrar R$ 90/100. Quase sugeri que fôssemos de ônibus, mas ia demorar muito. 


     QUEIJO, AJAX, ISABELOCA, CHAPADÃO E AÇU... 

Intenção   ficou na saudade! Vencida a burocracia normal para entrada no Parnaso, iniciamos a aventura exatamente às 7h45min, com previsão de conclusão em 12 horas, já às escuras. 

Como disse,  por encarar o desafio de caminhar leve e  rápido, praticamente não nos dedicamos à contemplação de tanta beleza. Desafio incluía  mais força, resistência, velocidade, equilíbrio, coragem, destreza, determinação e companheirismo. 

De cara, ainda no sombreado da mata e ao som dos riachos e do canto das aves, também não me esqueci de piar o inhambu, pedindo proteção ao saudoso pai, o seu Valério.

Normalmente o trekker mediano leva  de 6 a 7 horas até o abrigo do Açu . Como carregávamos apenas o necessário  na mochilinhas -- água, isotônico, lanches, castanhas, guloseimas, anorak, corta-vento, capa de chuva e troca de roupas pra não voltar fedidos --,  paramos pouco ( fotos na Pedra do Queijo e reposição de água no Ajax)  e cumprimos o trajeto de  8 km em 4h15min. 

Ganho de elevação nesta primeira perna chega a  pesados 1100m. Não é mole não! Dificuldade maior fica mesmo por conta da subida em caracol da Isabeloca,  antes de alcançar o Chapadão, o Cruzeiro e depois o abrigo. Muito sol e desnível acentuado.

Diz a lenda que o nome é homenagem à princesa Isabel, que nos tempos do Império costumava subir a montanha. Calma! A dondoca ia nos lombos de mula, sem ao menos sujar os meigos pezinhos, a charmosa sombrinha e o lindo vestido branco. 

Sonhando com um beijo da princesa, viajei  na maionese quando parei pra tomar água numa rara sombra e acabei esquecendo o stick (PQP! Essas mulheres!). Só percebi quando chegamos no  alto do Graças a Deus (auto-explicativo, né?). 

Até retornamos uns 300m, mas não adiantou nada.  Tive de fazer a travessia inteira sem o  sempre providencial e às vezes salvador e bastão de caminhada, porque lá é difícil encontrar madeira que dê um bom cajado. 
Castelo do Açu

Pico do Garrafão

Procura-se um Garrafão

Pedra do Sino: 2275m

Alegria: tudo vale a pena quando a alma não é pequena



Vitor e Raddi: companheirismo e gratidão

Visão  de Petrópolis

Graças a Deus




   ELEVADOR,  MERGULHO, CAVALINHO, COICE E SINO...


A segunda e teoricamente mais difícil perna da nossa  travessia tem cerca de 9km e  vai do Açu ao Abrigo 4,  próximo da Pedra do Sino -- ponto culminante da Serra do Órgãos com 2275m de altitude, contra 2150m do Castelo do Açu. É o trecho mais técnico da travessia.

Já com algumas nuvens escuras distantes, saímos do Açu ao meio-dia com previsão de vencer aquele mar de montanhas, lajedos e vales em cerca de cinco horas. Descanso rápido, e sebo nas canelas. Lá vamos nós!

De cara uma subidinha, seguida de um descidão por pedras  e nova subida, agora forte, pra chegar ao topo do Morro do Marco, de onde, na descida do outro lado, converge à direita  quem vai aos estonteantes Portais de Hércules. 

Na sequência, outro  o vale e  o Morro da Luva, passando pelo famoso elevador, após a Cachoeirinha. São cerca de 50 degraus  em vergalhões de aço colocados de forma irregular. 

Detalhe que a exatos dois metros do primeiro degrau eu senti fortes câimbras nas duas coxas. Meu Deus! Puro cansaço, já que a hidratação estava ok. 

Após uns 3 minutos, alguns alongamentos e o incentivo do Grande Guia,  bora subir a escadinha bem semelhante às da Pedra do Baú, em São Bento do Sapucaí.

Também passamos  sem percalços pelo temido mergulho, superamos o   difícil Morro da Luva  e o Dinossauro, e chegamos ao dorso da Baleia, bem próximos ao  famoso Pico do Garrafão e à Pedra do Sino. 

Em seguida chegou a hora mais estressante para  alguns montanhistas,  o temido  e exposto Cavalinho.  Nada mais do que a simulação de montar num cavalo.  De pedra! Pra quem foi criado na fazenda Boa Esperança, nada a temer. Com a ajuda do Vitor, nem precisei de corda ou fita. Ali muita gente empaca. 

Bem próximo está o Coice ( do cavalo, lógico). Pedra de difícil entrada. Mas, com jeito e alguma força, deu pra  superar sem grandes dificuldades. 

Subimos no contorno da Pedra do Sino e chegamos ao Abrigo  4 no horário previsto. Comemos o que restava, descansamos um pouco, repusemos a água e, já sob intensa neblina partimos exatamente as 17h pra cumprir a terceira e última perna da aventura. 

      NEBLINA, MATA, RAIOS, CHUVA, TÁXI...

Previsão era fazer os cerca de 11km descendentes -- "descanso ativo"  kkk --   até a barragem em 2 horas e 30 minutos. De lá, do fim da travessia, pegaríamos um Uber ou táxi até a rodoviária de Teresópolis. Coisa de 12 a 15 min de carro, passando pela portaria pra dar baixa na entrada e cortar a pulseira vermelha.

Logo no início da descida, onde há sinal de celular, o Vitor falou com um condutor de Uber, que pediu R$ 90 pelo transfer. Achei um absurdo. Ele reduziu pra R$ 60. Ainda achei caro. O Vitor propôs R$ 45, mas ele não aceitou.  Ficamos de voltar a ligar...  (Que cagada!   Depois explico). 

Então começamos a descer a passos largos e muita conversa. Só descida. Existe um risco calculado, mas vai dar tudo certo! De repente, conforme previsão das agências meteorológicas, começou a escurecer,  esfriar e ameaçar chover. Isso por volta de 18h15min, quando já estávamos com as lanternas de cabeça. 

E não deu outra! Os raios passaram  a cair  mais próximos e a floresta se iluminava a cada  2/3 minutos. Vez por outra enxergávamos, bem longe,  as luzes de Teresópolis.

Mesmo sem o stick, aceleramos o quanto deu pra fugir dos raios, mas em seguida chegou a chuva forte. Um trinômio assustador: chuva forte, raios próximos e  mata escura. Parecia aqueles filmes de terror. PQP! Tenebroso! Sombrio! Assustador!

Pra ser sincero, fiquei com medo dos raios. E comecei a rezar pedindo proteção. Pelo menos pra que os relâmpagos perigosos cessassem. Chuva molha, mas não assusta tanto se não tiver vento. Raio não! Já passei por isso na Pedra da Mina. E me lasquei!

Papai do Céu ouviu minhas preces e os raios foram ficando mais esparsos, além de se distanciarem. A chuva  também diminuiu, mas  continuou por bom tempo. 

Vitor e eu nem conversávamos mais. Só se ouvia o pisar pesado na água. A trilha virou um córrego -- na Boa Esperança da minha infância era corguinho --, com armadilhas em forma de poças, raízes e pedras. E a tal da porteirinha anunciando o fim da travessia não chegava nunca! Meu Deus! Que sufoco! Uma noite sem fim!

Pior  é que o horário previsto  já estava comprometido. Por mais que andássemos, não rendia. E meu ônibus sairia às 22h. O Vitor já havia decidido que dormiria numa pousada próxima da portaria...

Depois de muito esforço e muita água, eis que  cumprimos o desafio e chegamos à tal barragem, concluindo (?) a travessia às 20h15min. Total de 12 horas e meia. Modéstia à parte, coisa pra gente grande. 

Concluímos? Nada disso! Pra  conseguir sinal e tentar de novo falar com o Lucas,  motorista do Uber que nos levaria  até a rodoviária,  ainda teríamos de andar cerca de l km, até um banquinho na beira da estrada da Barragem.

Cansados, extenuados e molhados, chegamos ao local e ligamos. Lucas  até atendeu,  mas disse que  já estava em Petrópolis e que já havia encerrado  o expediente do dia. E não tinha -- ou não quis? --  quem indicar pra nos salvar.

Ainda tentamos chamar carro  pelo aplicativo, mas não havia disponibilidade no entorno do parque. PQP! Ferrou! Tudo por minha culpa,  por não querer pagar os R$ 60 que o cara pediu no primeiro contato. 

Já eram 8h45min quando perdi a paciência. Afinal,  ainda faltavam 2km até a sede e minha viagem estava em risco. Sugeri que o Vitor continuasse  andando e tentando pelo celular,  enquanto eu iria correndo até a sede pra  pedir ajuda. 

Após 29 km ( 28 + 1) de montanhas, de um sobe e desce sem fim, de quase 2300m de ganho de elevação e 2200 de perda, ainda encontrei forças para correr com a mochila nas costas. Papai do céu de plantão. 

Pior é que na metade do trajeto minha lanterninha já não iluminava direito mais à frente; tive de andar  depressa pra enxergar sem cair. Cambaleante, mais de uma vez fui em direção às guias do caminho,  pra depois voltar para o  meio da estrada de bloquetes  e paralelepípedos e me aprumar. Afinal, era preciso chegar. 

E cheguei na portaria às 21h em ponto. Pedi e consegui ajuda importantíssima dos guardas-parque/seguranças Euclides e Geovane, a quem agradeço muito. 

Enquanto o Vitor não aparecia eles tentaram várias vezes,  por uns 20 minutos, até que o Euclides falou com um amigo taxista, o André. Às 21h32min o táxi chegou e mal deu tempo de me despedir do Vitor, que chegara há uns 10 min. 

André  demorou exatos 13 minutos para me levar até a rodoviária, onde consegui ir até o banheiro, tomar  um "banho de gato"  e  colocar roupas secas e limpas. Estava irreconhecível. Mas aliviado.

Embarquei às 22h  e cheguei no terminal Tietê após 8 horas de viagem. Mais uma vez quebrado, com sono, mas extremamente feliz pela conquista. Pronto pra voltar em maio, agora pra fazer  a travessia em três dias e curtir uma beleza rara. 

Mais uma vez, obrigado meu guia e obrigado meu Deus. 





















  

11 comentários:

  1. Caraca Professor!!!Que aventura foi essa?!Fiquei até sem fôlego,pura adrenalina. Mais uma vez, você prova que determinação e superação ,não é pra qualquer um, mas são possíveis.Basta querer, avaliar,se preparar,pegar as " tralhas" e bora seguir.Ouso dizer,que você é o CARA,ou como dizem por aí...HOMÃO DA P.....KKK.Reverências...um forte abraço mestre/professor.

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    1. Grande Rafa!!! Muito obrigado. Tá convidado. Prepare-se e boralá pra cima da montanha. Grande abraço!

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  2. Raddi do céu!!!😰Que aventura hein?!!!Posso imaginar a parte dos raios...😯😨Misericórdia!!! Mas graças a Deus, acabou dando tudo certo.🙏Foi um belo desafio, e vcs se saíram muito bem!!!Parabéns Mesmo!!!👏👏Virei fã! 🤗Um abraço!!!😉

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  3. Olá Mara. Muito obrigado pelas palavras. Verdade! Final da travessia foi sinistro. Parecia aqueles filmes de terror. Mas Papai do Céu está sempre de plantão. Meu anjo da guarda tb. E olha que tenho dado trabalho pra eles viu! Fora de temporada os riscos aumentam. Detalhe é que , quando gostamos, tudo vale a pena. E um bom guia como o Vitor ajuda muito. Abraço grande.

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    1. Aaah mas Deus sabe o que faz, nosso anjo da guarda é feito sob medida, de acordo com nossas necessidades e aventuras rs...Cuide bem do seu!😇🤗
      E o joelho? Não sentiu mais?!

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    2. Joelhos em dia..não gritaram...obrigado

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  4. Hehe tua narrativa foi tão rica que me emocionei aqui ... Acredito que esses são os sentidos da vida e que momentos como esses nos fazem pensar que não vamos levar nada dessa vida , apenas lembranças e amigos como você . Obrigado pela travessia e pelos ensinamentos, pois tenho aprendido muito com vc ... “Só vivemos uma vida”

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Grande Vitor. Gratidão imensurável. Companheirismo e comprometimento.

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  7. Grande Raddi! Não é qualquer um que acompanha seu ritmo! Qual é o segredo?

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    1. Grande Flávio! Muitíssimo obrigado pelas palavras. Não mereço tanto. Sem segredos. Apenas boa cabeça, força espiritual, companheirismo, determinação, resiliência, muito treino e respeito à montanha. E você é um ótimo parceiro.Grande abraço

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