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sexta-feira, 18 de maio de 2018

A Serra Fina e a dor de uma frustração

Olá pessoal! Olha eu aqui outra vez.  Afinal, quem tá  vivo sempre aparece. Vivíssimo!
Após longo e tenebroso inverno,  volto ao blog pra falar de uma frustração pessoal. Uma dor momentânea que soa como um corte na alma. Mas há de cicatrizar. Vai cicatrizar!  Tenho certeza!
Afinal, é preciso perseverar. Desistir só machuca. Deixar de sonhar é o caminho mais curto para definhar. Para a derrota ser definitiva.
Pela segunda vez, não consegui completar como queria a  difícil travessia da Serra Fina, uma das belezas indescritíveis da incrível Mantiqueira, a montanha que chora.  Em tupi-guarani, gotas d'água.
Depois de fazer em 2015 um bate-e-volta  de  12 horas até o cume da Pedra da Mina,  até então o quarto pico mais alto do Brasil,  senti que deveria me preparar para a desafiadora travessia.
Na primeira semana de outubro de 2017 eu lá estava, ao lado do amigo Zé Luiz e do guia Leo, de Passa Quatro-MG. Tudo pronto. Logística aceitável,  com poucas falhas.
Porém, não passamos do Capim Amarelo. Meu grande amigo sentiu dores insuportáveis nos joelhos, o que o impedia de continuar e ficar na dependência de um resgate via helicóptero.  Nem pensar! Tamujuntu!
Tivemos de nos contentar com um pôr-do-sol incrível no Capim Amarelo, combinado com o nascer de uma lua cheia maravilhosa no vértice da Pedra da Mina, palco também do brotar do sol no dia seguinte, quando descemos com dor no coração.
Teimoso, não me dei por vencido. Subida,  descida; com peso, sem peso; rua, montanha, Pedra Grande, escada da igreja Matriz. Treinei muito. Me preparei muito pra tentar novamente superar o desafio. Singela homenagem aos meus cinco netos, hoje tatuados na minha panturrilha.
Logística detalhada e checada.  Mochila equilibrada. Equipamentos, vestuário, ração de trilha e demais componentes sem erros primários. Até a previsão do tempo jogava a favor, segundo as especialistas Windguru e a Mountain Forecast. Risco mínimo, de 0,4mm de chuva. Quase nada!
Motivado, consciente, feliz e bem preparado física e  psicologicamente, tinha certeza de que  uma segunda desistência estava totalmente fora de cogitação. Então, pé na estrada no domingo (6 de maio) pra encarar a bitela já na segunda.
Novamente ao lado do Leo, da Araucária Expedições, lá estava um italiano caipira, metido a besta,  disposto a abraçar a montanha com carinho. Pronto pra conquistá-la com força, determinação, respeito, sussurros e toques de sedução.
"Pra cima dela", como diz o Leo, pra quem a Serra Fina deveria se chamar Serra dos Bambuzinhos. Verdade! É bambuzinho a dar com pau. Nada fora da cargueira 60l, pra não enroscar.
Nossa travessia, mais tradicional e  inicialmente programada para quatro dias, foi alterada logo na primeira perna. Estávamos ótimos. O Léo com 31 anos e cerca de  25kg nas costas. Eu perto de completar 63 anos e com uns 12kg, já que desta vez não precisei carregar barraca, alimentação e tralhas de cozinha.
Toca do Lobo, Quartzito, Passo dos Anjos, Ombro, Capim Amarelo. Cinco horas e 45 minutos para cumprir 6,5 km e   absurdo ganho de elevação próximo de 1.250m. É subida de fazer inveja e sentir saudade do Quebra-Perna, no Caminho da Fé.
Questionado se queria tocar até o acampamento Maracanã, não tive a menor dúvida. "Vamos sim. Nesse ritmo podemos fechar a travessia em três dias" -- desafiei. "Boralá, Raddi" -- rebateu o guia.
Em uma hora e meia de descida braba temperada com bambuzinho e escorregões,  lá estávamos no Maracanã. Vazio,  frio, sem o calor da torcida, sem Fla-Flu, mas com tempo e vento de sobra pra conversar sobre tudo antes da ceia.
Inclusive sobre a inesquecível semifinal do Brasileiro de 1976, quando, sob chuva,  a torcida corintiana dividiu o Maraca pra ver o Timão eliminar o Fluminense nos pênaltis, após 1 a 1 no tempo regulamentar.
Esse é  o jogo da minha vida. Eu estava lá como um dos  apaixonados 75 mil corintianos e como repórter  do Diário do Grande ABC. Foi difícil escrever sem a companhia do coração.
Após jantar  macarrão com linguiça, nada melhor do que aninhar pra fugir do vento frio. Não dormi muito bem, mas nada que estragasse meu otimismo para a segunda perna, quando combinamos ir até  o bambuzal, na base do Pico dos Três Estados (2.665 m e 10º mais alto do País). Cerca de 7 a 8 horas de sobe e desce sem fim e mais de 700 m de ganho de elevação.
Após um belo e forte café do Léo com torradas e requeijão,  iniciamos a terça-feira com a corda toda. Logo de cara, uma sequência de sobe-e-desce na aproximação ao Morro do Melano, que ostenta praticamente a mesma altitude do Capim Amarelo (2490 m).
No  Melano o tempo, que já estava  meio fechado, cismou de ficar carrancudo. Antes das 11h a neblina ganhou a companhia da garoa. Depois uma chuvinha fina,  fria e chata. E pela primeira vez o Léo aventou a possibilidade de ter de abortar pelo Paiolinho.
Contrariando qualquer previsão dos serviços meteorológicos, a grande surpresa da mãe natureza: pouco antes do meio-dia a chuva apertou e em seguida deu um  ligeiro refresco. Ao meio-dia em ponto, quando chegamos à nascente do Rio Claro -- base da Pedra da  Mina  --  e pegamos água, a chuva começou a apertar. De novo o Léo  falou em abortar a travessia se o tempo piorasse.
Adiamos a decisão por alguns instantes e resolvemos encarar a subida e atacar o cume. Afinal, a Pedra da Mina (4º ponto mais alto do Brasil com  2.798m) estava bem próxima.
Porém, no meio do ataque, como se não bastassem a chuva, o frio e o vento forte, fomos "premiados" com raios não tão distantes. O suficiente para o guia definir, definitivamente,  por absoluta segurança, que nossa travessia seria abortada na descida da Pedra da Mina.
Imaginem minha cabeça! Virou um trevo. Nada mais fazia sentido. Mesmo pensando em alguma alternativa -- talvez dar um tempo na base  antes de atacá-la  naquele momento -- o respeito à determinação  sensata do guia  era primordial. Mesmo discordando. Mais por frustração. 
Água,  vento, raios e trovões... E nós dois encharcados... subindo, subindo e chegando ao topo. Alvos prediletos de raios, correndo sério risco. Após 4h15min desde do acampamento, lá estávamos. Tentei escrever algo no livro do cume: " Travessia abortada. Chuva com raios. Raddi e netos".
E o caderninho ficou  todo molhado.  Meu  celular deu pau e o pedido de resgate antecipado quase não pode ser efetivado. Tudo molhado. Menos o que estava protegido dentro das cargueiras. Especialmente roupas e saco de dormir.
Em cerca de  15 minutos já estávamos na outra ponta, por onde desceriamos para virar à esquerda rumo à trilha do Paiolinho ( 1.200m de descida difícil) e não à direita, para a base dos Três Estados, o acampamento previsto para ser atingido em cerca de  três/quatro horas.
Triste, desconcentrado, cansado, gelado e com  pressa  para escapar dos raios, agora mais esparsados e distantes, iniciamos o mergulho. E não é que acabei  levando  até um chão, um tombo feio -- mais de 10m de altura, despencando --  que, por sorte, não teve maiores consequências alem de um dedo da mão quebrado e ombro ralado?
Em menos de uma hora já estávamos no conhecido Enganador, falso cume pra quem olha de baixo pra cima. Um precipício pra quem olha de cima pra baixo.   Surpreendentemente,  já sem chuva. E eu sem a capa de chuva da mochila devido  à última forte rajada de vento.
De novo a natureza dando as cartas. À nossa esquerda, na direção do bairro Paiolinho,  já havia azul no céu e o sol aparecia discretamente. À direita, no entanto, no sentido do Três Estados, nuvens escuras anunciavam a continuidade de tempo ruim, segundo o Léo.
Depois de seis horas -- duas delas sob o escurecer  na mata e  com lanterna na testa --, muito cansaço e a mochila agora  bem "mais pesada", meus ombros acusaram "dores" quando chegamos na escolinha do bairro. Era o peso da frustração. A  triste dor dos derrotados.
  • Em nome da segurança, nossa travessia foi cumprida em 2/3.   E acreditem: sob um lindo  crepúsculo e o céu  salpicado de estrelas. Paciência!  Faz parte.

Assim é a vida. A montanha não quis. De novo!  Mas ela é minha amiga. A Serra Fina não vai fugir. Está lá! Imponente! Bela! Desafiadora! Da próxima vez ela há de me receber de braços abertos. Há de me oferecer colo e me dar aquele abraço gostoso.
Assim é a  Serra da Mantiqueira, a  grande montanha que chora. E  faz gente grande chorar.

6 comentários:

  1. Valeu mais essa tentativa guerreiro,o importante é nunca desistir dos sonhos!!! Eu ainda não desisti de escalar o monte dos meus sonhos!! Bem preparado, tente novamente! Boa sorte!

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    1. Sim..vou de novo...nao faltou preparo..sobrou raio.obrigado

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  2. Nada nesta vida acontece por acaso..

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    1. Verdade!!! Sei que posso...mas a permissão é da mãe natureza

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  3. Maravilhoso texto Raddi, parabéns!!! Meu amigo, tudo a seu tempo... Nada é por acaso! Tenha certeza de que da próxima vez, você será agraciado pela nossa "MÃETIQUEIRA"!!!
    Grande abraço meu amigo!

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  4. Obrigado Gutão! Tenho certeza..grande abraço.

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