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segunda-feira, 12 de julho de 2010

A Fúria e a Bocaina

Finalmente, e por méritos, passei um final de semana na encantadora Serra da Bocaina, na divisa dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, entre as serras do Mar e da Mantiqueira.

Após longas trilhas morro acima, água abaixo floresta adentro e campos de altitude, na tarde de domingo me permiti caçar um banquinho de madeira no único chalé que tinha uma TV.

Lá fora, um sem-número de tico-ticos, sabiás laranjeira e beija-flores, tão belos quanto mansos. Isso no início da decisão, quando a Holanda não conseguia jogar e optava pela violência para parar uma Espanha mais consciente e consistente.

Lá dentro, eu e o seu Miguel também víamos a Fúria querendo jogo e a Holanda apenas procurando preencher espaços e marcar. E talvez contragolpear. Raros foram os momentos de gol, por isso não gostamos do que presenciamos.

No segundo tempo, mantivemos a torcida pela Espanha, que conseguiu ser mais objetiva, envolvente e chegar algumas vezes com perigo. Bem marcada, a Holanda não conseguia jogar. Quando chegava, Casillas crescia diante do bom Robben.

No final do segundo tempo, lá fora, ao entardecer, o longo piar do nhambu guaçu e o canto dos pássaros-pretos -- muitos, muitos! -- encantavam mais do que o futebol dos finalistas da Copa.

Começa a prorrogação, de novo com a Espanha melhor. Lá dentro, seu Miguel, uma figura tão ímpar quanto mística, falante e envolvente, sugere que os espanhóis joguem mais pelas pontas -- ele foi ponta-direita e chegou a ser cogitado para treinar Fluminense, seu time de coração, embora goste bastante "do hino do Corinthians".

Lá fora, mais de 20 jacus -- uma ave quase negra, com tamanho de faisão e beleza de ... de jacu -- quase domésticos se distribui por araucárias e eucalíptos logo após o milho do entardecer ou do pré-anoitecer. Com frio, corro até meu quarto, pego o agasalho amarelo do Ramalhão e volto pro meu canto (?).

A Espanha está melhor, mas o trator 6.7 -- seu Miguel tem 67 anos e anda muito -- acha que a decisão vai para os pênaltis. O pai da Paula é muito ativo e inteligente, mas não concordo quando diz que pênalti é loteria.

No final, como todos sabem, gol de Iniesta. Deu Espanha! Com méritos, mas sem empolgar. Título inédito! Já a Holanda teve de se contentar com o trivice. Não merecia mais do que isso.

Fim de prorrogação, subo para a pousada. Mais tarde, na sala principal, o papo vai longe. O queijo de São José do Barreiro ganha mais sabor e o vinho argentino vai encurtando, secando.

Lá dentro, conversas descompromissadas e histórias de vida. Trilhas programadas e histórias recentes. Afinal, seu Miguel tem histórias a perder de vista.

Eu e a Angela, minha companheira de todos os momentos, inclusive roubadas em trilhas malucas, não poderíamos deixar de citar que, na longa caminhada matinal -- que invadiu a tarde -- avistamos uma suçuarana, onça comum nas matas e fazendas da Serra da Bocaina.

Não, não corremos! Quase negra, a "menina" atravessava a estrada junto a um riacho da fazenda Pinheirinho. Tentei alcançá-la, sem muita coragem, confesso. Não deu! Rapidamente, ela sumiu capoeira adentro. Talvez voltasse à noite para pegar galinhas na casa da Vera, funcionária da pousada.

Voltando ao papo noturno. Lá fora, atendemos aos chamados de Laurinha e Natália, as sobrinhas do Zé Milton e da Paula, e enfrentamos o frio. Luzes todas apagadas, tudo escuro como breu, olhamos para o céu. Milhares de estrelas nos enchem de admiração, iluminam nossos sentimentos e nos fazem felizes.

Nem nos lembramos de que pouco antes a Espanha sem brilho acabara de conquistar o quadrado mundo do futebol. Muito menos de que o Brasil voltou pra casa com u'mão na frente e outra atrás. Sem brilho, sem glória, sem futebol e sem história.

Seria mesmo desperdício pensar em futebol sem arte. O encantamento celeste visto das montanhas bem que poderia fazer com que os sempre responsáveis, hospitaleiros e solícitos Zé Milton e Paula abrissem outra pousada. Em vez de Recanto da Floresta, poderia ser Recanto Encantado. Não seria exagero. Aquilo é um paraíso!

Na próxima vez, vamos ver a lua cheia em pleno Pico do Tira Chapéu ou na famosa Trilha do Ouro. Dá pra pensar em futebol? Principalmente nos moldes atuais?

Prefiro Pico da Bacia, a Cachoeira de Santo Izidro, a Casa de Pedra, a Rampa de Vôo Livre, a Cachoeira do Paredão, o canto do pássaro-preto, o vôo do beija-flor, o cheiro do mato verde, o ar puro da montanha.

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