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sexta-feira, 18 de maio de 2012

Pais, filhos e bodes (expiatórios)

"A arte de culpar os outros". Este é o título de uma das matérias da última edição da revista Veja. Por isso, pensei um pouco e tomei a liberdade de escrever o que aqui vai.

Talvez se mesclem partículas sentimentais de uma familiaridade tão invasiva quanto sincera. Quem quiser, que transfira para o seu universo. Se servir, que vista a carapuça. Ao menos pare pra pensar! E pare de culpar ou se culpar! Pura perda de tempo!

"A tentativa de encontrar bode expiatório para tudo é uma prática que acompanha a humanidade há milhares de anos" -- diz parte do texto de Veja. E, infelizmente, não vai mudar nunca!

A triste mania de jogar a culpa por uma situação indesejada, desconfortável, nas costas de um fato, um único indivíduo ou grupo, quase sempre inocente, é conduta disseminada em todas as épocas e em todos os segmentos.

Da igreja ao prostíbulo, da multinacional à lojinha de R$ 1,99, da grande rede de supermercados ao boteco da esquina, do ensino fundamental à universidade, sempre haverá alguém com o dedo em riste, a denunciar o "agente do mal" a ser execrado.

Na escola, na família, na empresa privada, na entidade pública, no esporte... É só prestar atenção na bola da vez! No futebol, a culpa é sempre do goleiro ou do último zagueiro. Também pode sobrar para o técnico inventor. Olha aí a imputação de culpa!

Pronto! Está escolhido o primeiro bode, o que vai para o altar do sacrifício. E depois o segundo, aquele que, de fato, é o expiatório e vai para o deserto levando pra bem longe todos os pecados da comunidade. E do time todo.

Se fosse um político profissional, carreirista, e sacana (pleonasmo com raríssimas exceções), diria que não conhece, que não viu nada ou que não sabia, mas "Adão culpou Eva, Eva culpou a serpente, e assim continuamos assiduamente desde então".

Verdade! Parece que nascemos predispostos a transferir a responsabilidade para a faxineira, para o mordomo, para o gerente, para o fornecedor, para o motoboy e até para a concorrência. Depende dos interesses pessoais de quem não assume os próprios erros e quase sempre se defende acusando.

No Poder Público municipal, arde quase sempre no do prefeito, mas antes disso a transferência de culpabilidade pode passar pelo motorista, pelo assessor de Gabinete, pelo diretor financeiro, pelo adjunto e até pelo superintendente da autarquia. Né, prefeitão?

Na família, de todos nós, não é muito diferente. O bode pode ser o avô superprotetor (seria um ruminante velho, de barba branca)ou o pai ausente e excessivamente autoritário, que não deu exemplo e não educou.

Também pode ser a mãe permissiva, eterna vítima, que não estabeleceu limites equilibrados nem deu carinho à altura dos rebentos. Ou até os dois! Principalmente se o casal se separou! É fácil acusar! Tudo aconteceu porque os "bodes" se separaram.

Também pode ser do irmão mais velho, quase sempre individualista, mandão e metido a valente. Ou o mais novo; via de regra, o coitadinho, o carente, o protegido."Pai, foi o Felipe que começou!" -- bradava, de forma legítima e inocente, o caçula Fernando.

Como o ser humano tende a se considerar "zica", o bom ( o perigo fatal é o artigo que antecede o adjetivo), melhor do que realmente é, acaba por revelar fraqueza, insegurança.

Aí, vai encontrar sérias dificuldades para admitir os próprios erros. Por mais simples e compreensíveis que sejam, opta pela cômoda omissão ou injusta transferência de responsabilidade.

Pegando como referência meu filho mais velho, o Fábio Vinícius -- de quem, não por vontade própria, fiquei por bom tempo menos próximo do que se espera de um bom pai --pensei no maldito bode da expia.

Por alguns anos, fico com a impressão de que fui mesmo usado como bode. Talvez tenha merecido a cruz. Sinceramente, não sei! Meus filhos são justos e podem me julgar com maturidade, isenção e sabedoria.

Não afirmo como dono da verdade, mas acho que muitos pais, filhos e irmãos perdem tempo precioso curtindo ciume desproporcional, dúvidas, mágoas, culpas, raivas e orgulhos bobos.

Perdemos primaveras floridas não tendo a humildade de agilizar a inadiável conversa do esclarecimento e do perdão. Perdemos outonos de ventos cortantes sem enaltecer a paz, a família, a amizade e o amor verdadeiro. Entre pais, irmãos, filhos e amigos, como deveria ser, sempre.

Também desperdiçamos muitos finais de tardes de verão dando ouvidos a fofocas, empresariais ou familiares, inconsequentes e inconcebíveis, em vez de admirar o espetáculo do pôr do sol ou o brotar da primeira estrela.

Cada um do seu lado, quando distantes, pais e filhos perdem invernos e mais invernos de aprendizado, de belas lições de vida. Por vezes, à procura do maldito bode expiatório, encarregado de assumir o ônus dos verdadeiros culpados. Nós, os protagonistas.

Sugestão: é mais prudente assumi-la! Seria mais justo resolver tudo na conversa mineira, fraternal; no tete-a-tete. Talvez, para alguns pais e filhos, faltem um dedo de comprometimento, um cálice de humildade e uma taça de coragem para dizer poucas mas sinceras palavras.

Verdades duras, mas mais saudáveis do que informações fantasiosas, impressões distorcidas e mentiras perigosas quando buzinadas nos ouvidos de crianças inocentes, adolescentes inseguros e jovens imaturos e compreensivelmente desafiadores e aventureiros.

A capacidade de assumir, entender, assimilar e perdoar deve prevalecer quando a grandeza da alma não dá lugar à pequenez do espírito, à covardia dos fracos de caráter. Não significa esquecer e apagar totalmente os erros do passado. São sábias lições! Basta se dignar a aprender a perdoar!

Então, pais, filhos, irmãos e amigos de verdade, vamos nos abraçar mais, nos beijar mais e abolir qualquer desavença. Que tal privilegiar a comunhão de confiança e sinceridade? Isso tem muito a ver com pais e filhos que não deixam de pensar na importância da família, da doação mútua e da educação plena.

Vamos deixar de nos julgar vítimas e continuar nossa relação verdadeira, sadia; nosso trabalho incessante e honesto. Não precisamos transferir responsabilidades. Por favor. Os bodes de nossas culpas estão cada vez mais fora de moda. Não combina com pessoas decentes e que respeitam escolhas divergentes. Nada de preconceitos!

Pais e filhos, vamos sorrir mais e chorar menos; orientar mais e gritar menos, brincar mais e trabalhar menos. Vamos comprar menos brinquedos e dar mais atenção, carinho. Vamos acreditar mais e desconfiar menos; elogiar mais e criticar menos. Vamos ter mais paciência e menos rompantes de agressividade.

Que tal viver mais e reclamar menos? Vitimização zero! Individualismo e egoismo zero! Negativismo e incompreensão também zero! Vamos construir mais e destruir menos. Vamos encontrar tempo para admirar mais o lado bom em vez de crucificar a face ruim das pessoas e da vida.

Que tal maximizar virtudes e minimizar defeitos alheios? Não importa se em casa, na escola, no futebol do clube ou no trabalho. Que tal não supervalorizar virtudes próprias, não se autoproclamar o bambambã. Mesmo que de vez em quando, sugere-se enaltecer as atitudes e virtudes dos outros.

Por mais que as decepções nos acompanhem, que a dor nos aflija, bom seria exercitar o dom da gratidão e tocar em frente com o sorriso contagiante dos otimistas. Com a cumplicidade dos amantes, a dignidade dos vencedores e a lealdade dos perdedores.

Sem medos, sem traumas e sem bodes, a sociedade como um todo precisa entender que devemos tratar o próximo como gostaríamos de ser tratados ou de ver tratados os nossos filhos. No mínimo com respeito, educação e honestidade.

Aceitar o contraditório, sem responder instantânea e precipitadamente, no automático, também é uma conduta louvável. Nos faz aprender a avaliar, pensar, respeitar opiniões distintas e crescer. Não aceitar críticas construtivas também é um pecado capital, característico de arrogantes.

Personalidade forte é um fator positivo. Mas brincar de "não tô nem aí para o que os outros pensam ou dizem" é se julgar acima do bem e do mal e assumir um risco desnecessário. O orgulho infundado tem gosto de pimenta. A humildade real é doce como o mel. Aquele especial, branquinho, da abelha rainha.

Se você ainda for um filho distante e inimigo da gratidão, pare pra pensar. Jogue fora o boné da indiferença e o brinco da contestação injustificada! Rasgue a máscara da amargura! Abrace seus pais com força e volte a sonhar e a sorrir para o mundo.

Se você é um pai distante e omisso, livre-se do peso da armadura! Sem receio de ser tachado de trouxa, calce a sandália franciscana, deixe de procurar bodes e fique definitivamente mais perto de quem te ama de verdade!

Com propriedade, alguém já escreveu que o dinheiro faz homens ricos e o conhecimento faz homens sábios, mas só a humildade faz homens grandes de verdade.

Dito (tudo) isso, meu momento sugere juntar partículas do bem, perdoar erros do passado, ignorar possíveis culpados ou bodes expiatórios imaginários. Afinal, somos responsáveis pelas nossas escolhas.

É hora de declarar, mais uma vez, pra que ninguém tenha dúvida, o tamanho do amor que sinto pelos meus filhos (Fábio, Maira, Felipe e Fernando) e pelos meus netos (Victor e Júlia).

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